Sentado sobre o encosto do banco da praça, pés no acento. Praticamente ninguém nas ruas e os poucos que passam são quase invisíveis por causa desta neblina. Sinto-me bem, estranhamente bem. Talvez seja porque eu o faça hoje. É essa noite está perfeita, orvalhada e penumbrosa. Digna dos mortos. E está frio, muito frio. Sempre esteve. Aperto-me na jaqueta, mas não adianta. Tiro do bolso a carteira de cigarros e um isqueiro. Acendo um cigarro e trago profundamente. A fumaça já não me arranha mais a garganta. Dizem que eu morrerei por isso, por fumar três carteiras diárias tendo apenas 19 anos. Diziam também que quando eu estivesse nos meus 25 estaria fumando de seis a sete carteiras. Que o câncer me pegaria. Mal sabem que o câncer já me pegou. Mas não foi pelo cigarro. Esse câncer é do berço, já nasceu comigo. É um câncer no meu DNA.
Acabou o cigarro. O frio não passou. Puxo do bolso interno de minha jaqueta uma pequena garrafinha. Rum, para aquecer um corpo quase desfalecido. Atiro a xepa de cigarro no chão e abro a garrafa. Tomo uns dois goles e já pego outro cigarro na carteira. Gosto de beber e fumar ao mesmo tempo, uma das poucas coisas que me acalma. Preciso ficar calmo essa noite.
Seco a garrafa de rum. É chegada a hora. Passa por mim um mendigo aos trapos. Entrego-lhe minha carteira de cigarros, mas antes retiro um e acendo. Ele me agradece e eu peço que prossiga seu rumo. Tiro do bolso de minha calça um guardanapo e um toco de lápis:
"Querida Mamãe,
A hora chegou! Adeus !
Jogo outra xepa de cigarro no chão. Coloco o guardanapo em minha carteira, junto à identidade. O cano do 38 está quente em minha cintura. Será aqui mesmo. Onde sempre achei conforto, nesta praça quase deserta, onde eu sempre fui aceito. Achar-me-ão pela manhã, sem lágrimas em meu rosto, sem alma em um corpo. Só uma poça de sangue rodeando uma cabeça estourada. Desaparecerei das poucas fotos. Livrarei o mundo do meu câncer. Libertar-me-ei desse fardo. Finalmente descansarei. O cano do 38 tornasse frio em minha boca. Queria um último cigarro agora.
Um comentário:
Uma vez eu li que para escrever um livro é preciso, antes, ler uma biblioteca. Também me inspiro com o que leio para escrever meus textos. Com o que leio e com o que sinto. Escrevo sentindo muito e pensando pouco, na verdade.
Você tá evoluindo muito, estão saindo produções ótimas aqui. Meu incentivo não é de graça, é porque você é bom mesmo e não dá pra negar.
Não vou parar de escrever se você não parar. =Pp
Abraço!
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