sexta-feira, 29 de agosto de 2008

O equilíbrio dos quatro



Quatro amigos. Dois homens e duas mulheres. Encontraram-se por acaso em uma encruzilhada. Mal sabiam que iam seguir o mesmo caminho por um tempo. Aparentemente, distintos. Não tinham idéia que nessa caminhada iriam se apaixonar, descobrir um no outro a complementação de seus seres. Compreendiam-se com tanta facilidade que sentiam ter vivido a mesma vida no mesmo corpo há tempos atrás. Diante dos outros são personagens interpretados conforme a sinfonia orquestrada pelo maestro Tempo. Cheios de caras e bocas para esconderem o que realmente sentem ou que realmente pensam. É fácil sorrir, basta contrair a face, fechar um pouco os olhos e mostrar os dentes. As máscaras caem, sempre caem quando se encontram só os quatro - quando entra em cena a rija*. Afloram-se as mágoas, as tristezas, as risadas soltas conforme a piada sem graça é contada, as lágrimas, os desejos ocultados, as alegrias ocultas... A despreocupação com o resto do mundo é tamanha que, por eles, poderiam morrer naquele exato momento sem hesitação.

Há um entre os quatro que os mantém vivo, lutando na Epopéia dos Carmas. Rijo, o Ser que - meio que sem querer ser - comanda a melodia da vida nos corações de cada um. O que sempre está alegre. Aquele que pouco se vê chorar triste. A pessoa que sempre oferece um ombro para chorar, um abraço para acalentar, um beijo para saciar. A que ri para os outros sorrirem. Inabalável. A que segura quando os três estão caindo. Aquela que ajuda o amigo a levantar. O único dos quatro que dispensa as máscaras. O único sinceramente sincero perante todos. O quarto elemento.

Os outros três não são fracos. Até que lutam muito, superam-se, conseguem manterem-se vivos. Porém não tão firmes quanto o quarto. Não tão iluminado, nem tão reluzente. E nem tão felizes - pelo que sei. Eles precisam do quarto elemento para serem completos. Assim como o quarto elemento precisa deles para se tornar importante - Uno.

É chegada a hora que os quatros se separarão, onde a estrada se separa. Mas creio que manterão contato, que se reencontraram quando um deles ligar desesperado - ou não - por uma conversa amiga, por uma acolhida fraterna, ou apenas pelo desejo de ouvir a voz do outro, perguntar como as coisas estão indo e se está tudo bem... E viverão separados sempre com um pedaço vivo de cada um dentro de si, esperando um dia reencontrarem-se.

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Jê (Gê), você é esse quarto elemento! Obrigado, grande amiga!

Feliz aniversário! :*** s2

Prelúdio à plenitude

Corpo pequeno, mas bem esculpido. Da medida certa. Menina moça que farei mulher. Seus olhos melancólicos me entristecem. Ainda assim, é impossível não se apaixonar por tão bela criatura. Curvas quase acentuadas. Sua pele treme ao meu toque, acompanhado de um gemido sufocado pela fita. Está muito apertado, querida? – pergunto a ela. Que me responde com uma chuva de lágrimas e soluços nasais. Lágrimas que deixam de ser salgadas ao tocar sua doce pele. Ah, sua pele! Branca, quase açúcar, linda, tremula, arrepiasse toda vez que chego perto. Seios que ainda brotam. Isso me excita. Torna-me viril, inflama-me de desejo. Sinto-me o dono de tudo, o Deus do novo mundo. Isso, eu me tornarei Deus! Meu sexo começa a se manifestar. Liberto-o da clausura de minha calça ao frescor daquela noite orvalhada. E agora admiro o anjo deitado em minha frente. Exposto a mim como uma oferenda. Aproximo-me. Toco seus pequenos seios. Ah, que sensação é essa que me domina? Ajoelho-me diante dela, submisso ao seu encanto. Fascino-me com o seu sexo límpido. Encosto minha face áspera em suas coxas lisas e deslizo até a depressão no meio de suas pernas. Oh adoráveis vulvas inchadas de prazer. Toco, suavemente, minha língua sobre elas e aprecio o salgado sabor do pecado. Encontro o néctar almejado. Saboreio com lentidão, degusto cada gota. Cada suculenta gota. Meu sexo está em frenesi, não consigo mais controlá-lo. Chegou a hora. Após esbaldar-me em seu gozo devo consumar o amor que sinto por esse anjo. Fazer a união. Fazê-la parte de mim. Deixar de sermos dois para nos tornarmos apenas um, unidos pelos nossos sexos. Unidos pelo meu amor.

O sangue jorra. Um forte zunido ensurdece-me por alguns instantes. Minhas mãos, repentinamente, ficam tremulas. Vista embaçada. Meu ombro inicia um complô de dores contra mim. Puxo o ar para os pulmões, mas pouco entra. Não é o ombro, é o peito. A dor intensifica, meu corpo segue uma rota de queda sem que eu tenha ordenado, sem que eu tenha controle. Encontro o chão, em um grande baque.

Vacilante, tento me levantar, mas é em vão. Sinto meu corpo anestesiado, mole, sem qualquer reação aos meus desejos de movimento. Virado de barriga para cima eu reparo em meu peito um pequeno jorro de sangue insistente. Minha respiração torna-se ofegante. Não, não, não! – exclamo sussurrante entre os dentes rangidos, enraivecido. Não posso acreditar que o vigésimo terceiro anjo não será consumado. O último do meu ciclo de onipotência. A última parte de mim, de meu poder.

Escuto passos em minha direção. É a única coisa que consigo fazer no momento, escutar. Ouço vozes, mas não consigo interpretar o que dizem. Minha visão torna-se opaca, já não consigo distinguir as cores, só vejo uma pequena parte de luz. Deve ser o brilho do luar, ou a famosa luz no fim do túnel. Sinto minha vida esvair de meu corpo, assim como as minhas chances de me tornar Deus sem ter completado minha missão.

Sinto uma mão me tocar. Só pode ser ele. É sim, é ele. Ele escutou meu clamor. Já não sinto mais dor. Sorrio, pego em sua mão e me levanto junto a ele. Não consigo ver o seu rosto, há uma luz intensa que o reveste. Caminho ao seu lado, pois sei que me leva para um lugar melhor.

“Ele está morto, sargento!”

“Melhor assim, um monstro a menos no mundo... Vamos, chamem uma ambulância para a menina”




Nota do autor: Para salvar esse blog da decadência criativa, publico esse conto. Tive um esmero súbito de criatividade e decidi terminá-lo e postá-lo. Esse é bem superior ao anterior, espero que gostem :))

terça-feira, 26 de agosto de 2008

A frase que ecoou

O mundo é um palco. E homens e mulheres, não mais que meros atores. Entram e saem de cena e durante a sua vida não fazem mais do que desempenhar alguns papéis."



William Shakespeare

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O perigo de estar perdido

Arfh... Arfh... E baixa o santo. Oxalá fio. E te benzo e te curo do mal do mundo. Caboclo do sertão não teme maldição do sepulcro. Pai preto sentado no tronco. Cachimbo da paz sizin fio. Pita um, dois, três. Fumaça na cara que é pra afastar o mal olhado. Reza da braba que o encosto persiste em ficar ao seu lado. Sizin fio deve sabe de uma cosa... E lá vêm sete dias em sete semanas. ... É preciso purificar o espírito fio. Santos e santas para todos os lados. Calafrio na espinha ao adentrar. Toma um chá de ervas para acalmar. O candomblé a iniciar ao som da batucada. Lere-lere-lere... Gira, gira e começa a bater palmas. Puxa vaso sagrado que é para abençoar. Água de cheiro e ervas da mãe África. Cinco, seis, sete, de branco em volta de mim a rodopiar. Lere-lere-lere... E te benzo e te curo do mal do mundo. Cânticos em harmonia uníssona. Dois três desmaiam ao chão. Peço que parem, mas tudo em vão. São os demônios que te atormentam sizin. Preta velha no altar a reger essa orquestra. E mais caiam - Oh, meu Deus quanto mal que me aflige. Negras a gargalhar. E te benzo e te curo do mal do mundo. E te benzo e te curo do mal do mundo. Cessa a música. Pronto! Agora vá fio, senão o teu espírito não agüenta e retorne semana que vem... Não se esqueça de deixar uma cotribuiçãozinha para manter o centro... E eu que só tinha parado ali para pedir uma informação saio com demônios e agouros como preocupação esperando, ansioso, semana que vem retornar.

sábado, 23 de agosto de 2008

A carta que não foi enviada


Querida rosa,

Teus olhos castanhos a me encarar. Vejo você tremer sem ao menos te tocar, sem ao menos ter perto de mim. Corpos distantes e mentes em sintonia – assim imagino. Aliás, não só são as mentes, mas os corações. Sinto o meu tão perto do seu, que ele descompassa aceleradamente em busca de um ritmo que me leve à plenitude do meu amor por ti. Sim, baby, se você não notou ainda, eu te amo!

Meu amor próprio era o meu refúgio das pessoas, dos relacionamentos, mas você, baby, você o enganou e o superou. Não sei ao certo como você fez isso, mas eu me abandonei para admirar uma foto tua. Afastei-me do mundo errante, das partículas incestuosas desse universo incompleto só para viver em minha mente a perfeição de uma vida ao seu lado.

Não visto mais aquele paletó sufocante do isolamento sentimental. Porém, sinto dor, muita dor. Por não ter aqui junto a mim, por te ver apenas em uma foto, por desejar-te toda hora, todo o momento. Por tornar-me viciado em tal sentimento. O que eu sempre temi, viciar-me no amor. É o preço que devo pagar para nunca mais usar aquelas vestes.

Baby, não se assuste com minhas palavras que são meio brutas, eu sei, mas esse sentimento nunca provei. Sinto que devo expressa-lo senão explodirá meu coração. E mesmo escrevendo aqui ele palpita ferozmente em meu peito. Nem sei se lerás essa carta até o fim, nem sei se começaras a lê-la. Não importa. Amá-la já é o suficiente. E ter certeza disso me conforta.

Tinha muito mais coisa a dizer, mas o papel já está acabando e eu não poderia deixar de escrever uma última vez que te amo, baby! Eu te amo do fundo do meu ser!

L.M

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A partida do protagonista


Quando eu pensar em ir embora, não me venha com pedidos de perdão, suplicas e novas promessas falsas. Isso não me fará ficar. Quando eu comprar a passagem para a terra dos andarilhos sonhadores, não me venha com histórias de que virá junto, de que lá podemos ser felizes, recomeçar a escrever o nosso romance. Ele não deixará. Quando eu estiver embarcando no trem, não venha se despedir de mim. Não estrague o belo que levo de você. Permita-me buscar os sonhos que abandonei, permita-me seguir até o final deste livro. Quando eu o desbravar, talvez eu retorne e possamos nos rever. Sei que não aceitarás e, possivelmente, não esperarás por minhas incertezas.
Caso me pegue pensando em você, assim, por acaso, ligarei e direi que sinto saudades. Perguntarei: como estão as coisas? Se você está bem e se também sente saudades... E direi que ainda a amo. Tenha certeza de que eu te amo. Que nada foi em vão. E que só faço isso porque não tenho escolha. Eu compreendo, pois ele me escolheu para ser protagonista, para carregar o fardo do abandonar, mas, também, a incumbência de passar uma mensagem, um sentido, um sentimento, algo maior que eu. Pense, quantos sonhos você deixou ao acomodar-se com a nossa situação?... Não, eu não posso ser o seu sonho. Pense! É difícil, não é? Faz tanto tempo que esquecemos quem realmente somos ou quem, realmente, queríamos ser. Os papeis não podem ser invertidos ou trocados, temos que buscar o que nos foi fadado, espero que me compreendas.
Não chore! O Final do nosso romance já está rabiscado. E, pelo o que eu noto, o autor não mudará o desfecho. Não se comoverá com nós dois, não acreditará no nosso amor e não fará um final feliz clichê. Pertencemos a ele. Eu, sinceramente, não queria isso para nós dois e não desejaria isso a ninguém. Mas enquanto não são passados a limpo os seus rascunhos, vem cá! Abraça-me com força e beija-me, quero sentir tua pele, o teu calor, com todo o teu amor. Com todo o nosso amor. Aproveitemos as nossas últimas páginas juntos. Sinta meu coração descompassar junto ao seu, provavelmente pela última vez.
Despeço-me de ti enquanto ainda há tempo. Partirei para os capítulos seguintes esperando te encontrar em algum outro volume, talvez em alguma outra história, pois nosso amor não pode acabar assim. Em um conto sem um final feliz.

A frase que ecoou

Quem conhece os outros é um sábio. Quem conhece a si mesmo é um iluminado."


Lao-Tsé

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Louco!


A pureza do meu amor por ti tornou-se delírio. Meu sorriso já não é mais sincero, é sardônico. Riu da Morte que me espera. Ela está ao meu lado com sua imensa foice em minha garganta. Ela aguarda minha súplica pela decapitação de minha cabeça. Ela também sorri. Não, ela gargalha. Chega ao ponto que lacrimejar sua face cadavérica. Goza de meu estado. Suas vestes pretas são um manto para agonia que se tornou esse tempo de espera.
Petrificado, ali estou, no meu quarto. Meu refúgio do mundo errante. Com uma foto nossa em minhas mãos. Rasgada varias vezes e colada com fita outras tantas. Já não consigo mais ver os nossos rostos na fotografia. Mas sinto a tua presença nela. Sinto o teu cheiro, os teus lábios. Sinto o teu olhar doce quando eu te entregava uma rosa. O teu sorriso tímido a me ver sem jeito, encabulado. Sinto-te minha. Sinto-me teu. Mas algo sempre me toma de inesperado. É o ódio. Aquele ódio de mim mesmo. Por ter ti perdido, por ter ti deixado partir. Por permitir a tua fuga de meu mundo.
O caos reina em minhas terras. O que era brando torna-se fumegante. Tudo está em colapso. Já não aguento mais ajustar o inajustavel. O que é relativo torna-se convicto - fato. Não beiro mais à loucura, já estou louco. Admitir isso é inesperado, os loucos não esperam compreensão de seus atos. Para eles (nós) tudo está(va) certo daquela maneira.
O errado é um certo que ainda não deu certo. Sou um errado, então. Não desejo a morte como salvação ou punição, mas talvez só morrendo eu me torne rijo. Completo. Efetivado na aposentadoria dos acertos. Terá sido a pedra cantada que faltava para eu gritar Bingo! Poderá ser também, um erro irreversível. Guardo como segundo plano. A última alternativa.
Busco, então, sobreviver mais um pouco. Errar mais um pouco. Talvez o erro se canse e comece a acertar. Talvez eu me canse e comece a considerar com mais certeza executar o plano b.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Indiferença prejudicial

Favela. Dos favos contados restaram as velas. Acesas para iluminar vidas sofridas. Perdidas. Não queridas pro seus donos. Abandono. Não se houve os ventos. Só os tiros de fuzis ao relento. Baleado. Corpo estendido abandonado. Indigente. O Sistema que é intermitente. Corrupto. Político honesto é abrupto. Eleições. Das caras e bocas, mocinhos e vilões. Porque quando eu for eleito... Tornarei-me suspeito. Roubo. Furto. Surto, social ou imaginário. Surdos, nos tornamos precários. Poucos são os solidários. Muitos são os solitários. Descartados. Alegria e amor não habitam os inanimados. Corpo selado. Lacrado. Velado. Preciso de um analista. Na minha vida tornei-me antagonista. De mim mesmo. Dos outros. Escolhi o cara errado. Cometi um pecado. Quatro anos de penitência. Pela minha indiferença. Água no feijão na panela. Coitada de Marcela. Tão tristonha na janela. Cansada de esperar. A ajuda que nunca virá. Pois dos favos contados restaram às velas. Derretidas e Apagadas.

domingo, 17 de agosto de 2008

Suicídio Marcado


Sentado sobre o encosto do banco da praça, pés no acento. Praticamente ninguém nas ruas e os poucos que passam são quase invisíveis por causa desta neblina. Sinto-me bem, estranhamente bem. Talvez seja porque eu o faça hoje. É essa noite está perfeita, orvalhada e penumbrosa. Digna dos mortos. E está frio, muito frio. Sempre esteve. Aperto-me na jaqueta, mas não adianta. Tiro do bolso a carteira de cigarros e um isqueiro. Acendo um cigarro e trago profundamente. A fumaça já não me arranha mais a garganta. Dizem que eu morrerei por isso, por fumar três carteiras diárias tendo apenas 19 anos. Diziam também que quando eu estivesse nos meus 25 estaria fumando de seis a sete carteiras. Que o câncer me pegaria. Mal sabem que o câncer já me pegou. Mas não foi pelo cigarro. Esse câncer é do berço, já nasceu comigo. É um câncer no meu DNA.
Acabou o cigarro. O frio não passou. Puxo do bolso interno de minha jaqueta uma pequena garrafinha. Rum, para aquecer um corpo quase desfalecido. Atiro a xepa de cigarro no chão e abro a garrafa. Tomo uns dois goles e já pego outro cigarro na carteira. Gosto de beber e fumar ao mesmo tempo, uma das poucas coisas que me acalma. Preciso ficar calmo essa noite.
Seco a garrafa de rum. É chegada a hora. Passa por mim um mendigo aos trapos. Entrego-lhe minha carteira de cigarros, mas antes retiro um e acendo. Ele me agradece e eu peço que prossiga seu rumo. Tiro do bolso de minha calça um guardanapo e um toco de lápis:

"Querida Mamãe,

Sei que não fui o filho que esperavas de mim. Sei que tens se esforçado para me ajudar, mas nada adianta mamãe. Sou um ser errante. Nasci errado e sigo uma vida errada. Sei que sou os teus problemas. Sei que te trago mais lamentos do que alegrias. Será que algum dia eu lhe trouxe alegria? Pois bem, se não, hoje lhe trarei. Irei apagar teus problemas, mamãe. Irei concertar o erro que cometeras 19 anos atrás. Mamãe, quero que não chores por mim. O que lhe peço, e é a única coisa, é que cave uma cova rasa e jogue minhas cinzas lá. Semeie e regue. Se as plantas germinarem e florescerem, eu terei servido para alguma coisa nessa vida ou nessa morte. Adubo para suas flores, não mais do que isso. Não gaste nada com cerimônias e futilidades. Pegue o dinheiro que gastavas atoa comigo e vá viver, minha mãe! Aproveite a vida que lhe tomei. Não sinta que eu não a amava. Eu lhe tenho todo o amor que eu poderia sentir. Sei que não demonstrei, mas eu te amei verdadeiramente. Não posso tardar minha mãe, enquanto ainda me há coragem.
A hora chegou! Adeus !

J.B.”

Jogo outra xepa de cigarro no chão. Coloco o guardanapo em minha carteira, junto à identidade. O cano do 38 está quente em minha cintura. Será aqui mesmo. Onde sempre achei conforto, nesta praça quase deserta, onde eu sempre fui aceito. Achar-me-ão pela manhã, sem lágrimas em meu rosto, sem alma em um corpo. Só uma poça de sangue rodeando uma cabeça estourada. Desaparecerei das poucas fotos. Livrarei o mundo do meu câncer. Libertar-me-ei desse fardo. Finalmente descansarei. O cano do 38 tornasse frio em minha boca. Queria um último cigarro agora.

sábado, 16 de agosto de 2008

A viação

Moro na cidade dos ônibus amarelos. Estudo na cidade vizinha. Meu meio de deslocamento entre as duas cidades é a condução dos ônibus amarelos. Não é tão viável quanto seria com uma moto, pois a passagem é cara: R$ 2,35. Dizem que é porque a gasolina subiu, a inflação aumentou, a manutenção está mais cara e etc. Desculpas das mais variadas para nos surrupiarem o pouco que nos resta. Quando a inflação está baixa, a gasolina, o efeito não é reverso. Mantêm-se o preço nas alturas. Mas enfim, reclamações e protestos a parte, eu aprecio muito um bom passeio de ônibus. Sou capaz de levar apenas os dois e trinta e cinco da passagem de ida e pegar um no primeiro ponto da cidade. Assim, sem mais nada a fazer, o pego e sigo pela linha. Ao termino de seu trajeto dou a desculpa ao cobrador de que esquecera o que ia fazer, ou simplesmente desistira do meu destino, assim regresso ao meu ponto de partida tendo gasto apenas uma passagem e desfrutado de um passeio de quase duas horas.
Gosto do balanço do ônibus, do barulho do motor nas retomadas de velocidade e do freio arranhado, das janelas grandes que me permitem uma visão ampla da paisagem – queria eu ter essa visão para meus contos - e, claro, das pessoas que encontro, praticamente, todos os dias em meu trajeto diário. Mesmo não as conhecendo, sinto certa intimidade com elas.
Pego o ônibus amarelo no ponto central da cidade, em frente à casa do padre, mais ou menos às três da tarde. Lá, já encontro figurinhas carimbadas como o simpático mercador de passagens economicamente mais viáveis – comprador e vendedor de passes - Seu Jair. Um senhor aposentado, de cabelos brancos, que vive ali tirando um dinheirinho extra para fechar o mês. Converso um pouco com ele, quando lhe entrego uma nota de cinco reais e espero o troco da compra de dois passes. Conta-me histórias de sua juventude, discutimos política, falamos um pouco sobre dores reumáticas e nos aquietamos quando a popozuda Maria da Rua de Baixo passa rebolando com aquele shortinho curtíssimo para admirá-la e tecer alguns comentário indecentes bem audíveis só para vê-la sorrir maliciosamente. Ficamos ali de prosa até eu avistar o amarelão dobrando a esquina da rua de baixo e vindo em direção ao ponto. Interrompo a conversa, digo-lhe um “Até amanhã Seu Jair” e me aprumo para embarcar.
Entro no ônibus e me deparo com as mesmas caras de sempre, e alguns perdidos de viagem única. Os irmãos Rós, como eram conhecidos os irmãos gêmeos de 11 anos que sentavam no último banco. Roberto e Rodrigo. Eram duas pestes, sempre a aprontar com qualquer um que tivesse distraído. Sua vítima preferida era Dona Lúcia – dona de casa de, mais ou menos, uns 40 anos, fazia faxina na casa dos granfinos da cidade vizinha, conhecedora de todas as fofocas da alta sociedade da cidade. Como trabalhava muito aproveitava o tempo da viagem para dormir um pouco. Era a hora que os irmãos Rós lhe aplicavam as mais variadas peças. Puxavam-lhe o cabelo, cutucavam seu ouvido com uma caneta, entre outras peraltices... Só para vê-la pular de susto e caírem na gargalhada. Tudo isso sob a supervisão do cobrador Matsumoto que lhes dava uma bronca disfarçando a risada. Matsumoto era o japonês mais abrasileirado que eu já vi. Amante de feijoada e samba, era sempre visto no buteco do Jonas todos os domingos, onde saboreava a feijoada mais bem falada da cidade e uma boa caipirinha. Fraco na bebida, Mat - como todos o chamavam – se permitia e caia no samba logo em seguida, claro.
Eu sentava perto do cobrador, assim conseguia ter uma boa visão de todo o ônibus. Seguíamos viagem e dois pontos à frente entravam mais duas personalidades no ônibus amarelo. E já entravam discutindo – como sempre. Jarbas e Conca. Jarbas era um português sem sotaque, mas mantinha por ideologia ortodoxa e respeito à pátria mãe seu grande bigode preto. Roliço e careca usava um boné com as bandeira do Brasil e de Portugal bordadas para diminuir a expressão de sua grande cabeça e esconder a calvície. Apaixonado pelo Brasil, defende a seleção brasileira mais do que a portuguesa no futebol, sem falar que é vascaíno dos roxos. Conca, que na verdade chama-se Diego Armando, recebeu esse apelido do Jarbas por ser muito parecido com o ex-meia atacante do Vasco chamado Conca. Pequeno e marrento, Diego não levava desaforo pra casa. Argentino dos mais fanáticos por sua pátria reclamava de tudo no Brasil e sempre soltava uma frase de lamento “Si fuera en Argentina...”. Discutia por qualquer motivo com qualquer um, mas o que ele adorava dizer era que: “Maradona fue mejor que Pelé”. Onde Jarbas rebatia dizendo: “Eu que sou português admito que Pelé foi o melhor do mundo”. E Conca retrucava: “Pelé fue el mejor del mundo y Maradona es mejor que Pelé. Justo!”... E assim continuavam discutindo. A essência da discussão entre Jarbas e Conca sempre era o futebol. E assim seguíamos em frente, com o bate boca dos dois como trilha sonora.
Alguns pontos depois subia ao amarelão, com um altíssimo “Oigalê! Buenas.” como cumprimento, o Gaúcho. Daqueles que usava bombacha até no verão, de cuia na mão e garrafa térmica na outra. “O gaúcho mais macho de todo o Rio Grande, tchê!” – Dizia ele. Nessa hora os irmãos Rós aquietavam-se e encolhiam-se no canto com medo. Na última vez que tentaram aprontar com o Gaúcho ele lhes aplicou um “joelhaço dos pampas”, o que os fez chorarem de muita dor. As discussões de Jarbas e Conca cessavam. Ninguém sabia ao certo o seu nome, ninguém ousava perguntar. Só sabiam que era gaúcho porque ele incessantemente gabava-se disso. A partir daí, ninguém mais interessante entrava e se seguia tudo tranqüilo.
Meu ponto já estava perto. Então eu entregava um dos passes ao cobrador Mat e passava a catraca. Fitava os irmãos Rós para ver se continuavam quietinhos. Acenava com a cabeça para os que ficavam e apertava o botão para o amarelão parar no próximo ponto. Parando, eu me aproximava da porta, agradecia ao motorista com um “valeu” ou “até amanhã” e seguia. Descia e me dirigia para meu curso.
Acabava por volta das dez e meia. Saia calmamente da sala de aula e ia para o ponto de ônibus pegar o amarelão do retorno. Esse era diferente daquele que me trazia à escola. A começar pelo seu trajeto. Ele passa por um bairro mais distante antes de seguir para o centro, onde eu moro. O que fazia a viagem mais longa.
E lá vem ele apitando aqueles freios falhos. Onze e cinco. Preciso! Nunca se atrasara, mas também nunca viera cedo. Eu entrava e já me acomodava no fundo do ônibus. Avistavam-se alguns do que partiram comigo no primeiro como o Jarbas, o Conca, o Gaúcho e a Dona Lucia. Dona Lucia que, como sempre, estava tirando um cochilo. O Gaúcho degustando uma erva mate em sua cuia e prosando com outros dois homens que também pareciam ser gaúchos. “Esta sim, é uma erva mate legítima dos pampas, tchê” – era uma das frases que eu mais escutava ele falar para os outros. Conca e Jarbas já não discutiam mais. Via-se Conca deitado sobre o ombro de Jarbas e os dois afundados em um sono profundo.
Encontravam-se outras caras naquele ônibus. Das quais, a maioria estava a cochilar ou pestanejar em silêncio. Esse amarelão tinha um diferencial. Seria O diferencial. O que fazia eu ter um carinho todo especial por essa linha. O cara que fazia minhas noites melhores do que seriam. O cobrador Jeremias.
Não que eu esteja afim do Jeremias, não é o caso, mas o que ele propiciava a todos os passageiros era inigualável. Moreno do cabelo pixaim lembra muito aqueles integrantes de grupo de pagode que não tocam nada além de um triângulo e que ficam a noite toda lançando piscadelas e olhares 43 para as cocotinhas da platéia. Jeremias era o trunfo daquela viagem. Cantava todas as meninas que passavam na catraca, e puxava conversa com todo mundo. Tirava onda quando possível. Tinha mania de cantar clássicos do samba e pagode e mesmo eu não gostando de pagode ou samba eu cantarolava sussurrante quando ele começava. Grupos como: Só Pra Contrariar, Raça Negra e Originais do Samba eram lembrados e vozeados por ele. Fã incontestável de Alexandre Pires tinha uma foto ao lado do ídolo que mostrava a todos. Seu repertório, então, não poderia deixar de ter os clássicos de seu ídolo.
Todos silenciados quando Jeremias começou: “Tô fazendo amor com outra pessoa...”- sua música preferida e a que eu mais gostava também. Sua voz meio rouca sussurante era a calmaria que todos queriam para dormir. Poucos conseguiam resistir ao sono. Eu me mantinha sempre acordado assistindo o espetáculo de Jeremias.
Eram shows de meia hora toda a noite. De segunda a sexta. Mas tudo tinha seu fim. Meu ponto sempre chegava mais rápido, não por ser perto, mas por estar tão entretido que não vira o tempo passar.
E assim passava a catraca onde cumprimentava Jeremias e lhe entregava o passe. Agradecia pelo minishow e seguia para descer. Ele me olhava feliz, me desejava uma boa noite como a todos os outros que ali passavam.
Parava o amarelão e eu saltava. Invadia-me uma nostalgia grande nessas horas. Via-o seguir com aquele barulho gostoso do motor. Dobrava a esquina e sumia em outra rua. E o que só me restava era a letra do samba de Alexandre Pires cantada por Jeremias na cabeça...

“Tô fazendo amor

Com outra pessoa

Mas meu coração

Vai ser prá sempre teu...”





Nota do autor: O final legal eu não tinha salvado, por tanto, tive que criar um novo final e não ficou tão bom quanto o outro. Lamento ;/

terça-feira, 12 de agosto de 2008

O velho sentado ali

Em minha jornada pela estrada de tijolos cinza encontro um velho sentado sobre o monte de areia próximo as pedras das terras altas, vestes humildes, barba grisalha e grande cachos brancos. Pensativo, distante de si. Dizem que ele procura a aurora em céu azul do meio dia. Impossível - eu diria àquele senhor - nas montanhas em que nunca nevam nada há de encontrar além de rochas e gramíneas secas. Mas nada digo, nem o conheço. Ainda é inverno, há sol sobre nossas cabeças que nada aquece. Aquele velho contempla a plenitude de uma vida bem aventurada que, outrora, vivera intensamente. Como eu sei disso? Através de seus olhos. Olhos calmos e vívidos, sem o peso de pecados ou lamentações. Olhos de quem cumpriu seu destino entalhado na árvore essencial.
Espero os deuses astronautas, meu jovem! – foi o que me disse sem que eu tenha lhe perguntado nada. E continuou - Meu destino está selado, vivi uma vida que me foi dada, sem pretensões, sem qualquer dica de por qual rua eu deveria caminhar, que trem eu deveria pegar, cheio de escolhas não muito agradáveis... Só fui vivendo-a e sobrevivendo-a e agora aguardo a chegada de quem me levará ao meu prêmio... Ao meu descanso.
Pasmo, parei minha caminhada para digerir palavras que me foram ditas. Pedi para sentar ao seu lado e com um aceno ele me permitiu. Abri a boca para lhe falar algo, mas nada saiu. Então comecei a contemplar as montanhas com ele que logo me perguntou:
– Essas montanhas são suas?
Olhei-o incrédulo por tal pergunta e respondi:
– Não, claro que não!
E ele me questionou outra vez:
– Então, por que paras aqui para admirá-las comigo?
Fitei-o perplexo e retruquei:
– E, por acaso, são suas?
Ele esboçou um sorriso como se soubesse que eu iria perguntar e disse:
– Sim, são minhas! Ganhei o direito de admirá-las por cumprir a minha missão.
– E qual foi a sua missão? – pergunto-o com um tom de desdém e adiciono – talvez eu possa fazê-la para receber o mesmo direito que o senhor.
Agora vejo uma sorridente dentadura amarelada dentre a barba grisalha. Ficou-se em silêncio por algum tempo. Tirei meu olhar do velho e voltei-me para as montanhas. Eram altas, íngremes, com pouquíssima vegetação. No topo via-se uma árvore. Uma única árvore que resistia aos fortes ventos, quase sem folhas, porém bem viva. E, de súbito, o velho começou a falar:
– Sabe quem plantou aquela árvore lá em cima, meu jovem? – antes que eu pudesse responder qualquer coisa ele prosseguiu – Fui eu! Eu que escalei esse paredão e a fiz brotar das ocas e ásperas pedras. Levei vida onde não havia. Levei cor onde não poderia existir. Fiz-me ave e semeei aquele chão. Cumpri o que me foi designado, por isso posso admirá-las, porque, agora, essas montanhas são minhas.
– Mas como assim? Não compreendo.
Como se não tivesse me escutado ele deu sequência:
– Gastei dois terços de minha vida para plantar e cuidar daquela árvore e agora gasto o último que me resta para deleitar-me com sua plenitude. E esse terço já está no fim.
Mais confuso ainda, penso que aquele velho enlouqueceu. Mas de alguma forma as palavras dele me tocaram, senti sanidade e que faziam algum sentido. E como de costume ele abre-se a falar comigo inesperadamente:
– Você não quer que eu lhe diga como conseguir as montanhas para si, não é?
– Queria sim – penso comigo mesmo.
– Levei tanto tempo para adquiri-las, não seria justo comigo mesmo se eu lhe informasse os atalhos da subida, lhe revelasse o caminho mais curto, não seria justo com as montanhas. Tu não darias valor as que conseguirias. Abandonarias uma por uma sem remorso. Por isso, a única coisa que lhe digo é: Não pare de andar agora, não assossegue-se junto a mim nesse monte de areia. Saiba que o caminho é tortuoso, ardo, mas sozinho, e somente, sozinho é que conseguireis sua própria montanha. Algo para dar valor. Não digo o aglomerado de terra e rocha, mas o nirvana da conquista. E assim que prosseguires e conquistares a primeira montanha, tu se lembrarás de minhas palavras aqui ditas hoje e compreenderás tudo.
O silêncio reinou. Minha cabeça dava voltas e voltas. Sabia, somente, que o velho estava certo. Eu precisava ter escutado aquilo. Ali parado não conseguiria a minha montanha. Não teria aqueles olhos que tanto desejo.
Levantei-me, olhei para aquele velho senhor que apenas me fita sereno e lhe escutei suas últimas palavras:
– Agora vá, meu jovem. Torna-te rijo e encontra quem verdadeiramente tu és. Siga teu rumo e não retornes aqui, pois sinto que os deuses astronautas chegarão em breve para mim.
E assim, sem dizer nada, dei as costas ao velho e prossegui minha caminhada. Pela estrada cinza acima em busca de minhas próprias montanhas, sem entender muito das palavras daquele senhor.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A frase que ecoou

Amamos o desejo, não o desejado.


- Friedrich Nietzsche

sábado, 9 de agosto de 2008

(Es)Cravo de uma Rosa

Quero passear por terras planas de vilarejos conhecidos. Talvez lá tenha um botão de rosa que eu queira ver. Saber se a sua intensidade de cor é tão grande quanto a minha. Mas temo que, ao vê-la, essa rosa desabroche de forma errada. Não gostaria de interferir, não gostaria de abrir as suas pétalas, forçá-la antes de seu tempo. Porém se eu não o fizer outro, talvez, faça e contamine a pureza de tão bela flor. Devo protegê-la.
Lá está ela. Estou tentado a colhê-la. Colocá-la em um vaso na minha escrivaninha para apreciar seu adocicado cheio e incontestável beleza. Egoísmo meu, lógico. Mas meu medo em perdê-la para o tempo é sufocante. Fonte de minha inspiração. Seria um fardo terrível de carregar, ser responsável pela morte de sua liberdade, por sua morte. Trar-me-ia desgraça e desespero. Acabar-me-ia sucumbido ao tormento das almas perdidas.
Prefiro assim, vê-la deleitada sobre a terra molhada. Raízes rasas de roseira jovem buscando firmeza para lutar contra os ventos. Quanta destreza e coragem. Queria eu ter tanta jovialidade para durar o seu tempo. Mas não a abandonarei jamais. Tens a mim como teu guardião.
Cavarei um buraco próximo a ti. Colocar-me-ei dentro até os joelhos, tampar-me-ei e regar-me-ei com água. E plantado a contemplarei eternamente e protegerei desse rigoroso inverno. Para, assim, florescermos juntos na primavera. Eu, sendo cravo ao seu lado.



De mim para mim mesmo

Eu não sou comum
Eu não sou igual
Posso não ser original
Sei que sou incompleto
Mas vivo com a convicção de ser único
De buscar o meu ideal
De ser um ideal, busco
Ser completo

Li outro dia que para alcançar a felicidade temos que romper com as ilusões que nos inundam e sufocam. Decifrar cada uma e excluí-las definitivamente. Essas ilusões são obstáculos que nos desviam do verdadeiro caminho, que nos preenchem o vazio com uma pseudo-felicidade, vazio que nos acompanha desde a fecundação do óvulo ou a partir da compreensão de uma estrutura social- família. Concordo, buscamos algo ou alguém que nos complete e nunca nos procuramos ou pensamos como seres completos autônomos. A existência de outrem com a satisfação ou a incumbência de nos “salvar da solidão”, nos torna servil e fraco. Pois se vivermos a mercê de alheios nos submetemos as suas vontades, abandonaremos os nossos destinos para seguirmos outros. Não viveremos uma vida totalmente nossa e, sim, uma vida incompleta, onde se abstém dos sonhos. Não digo para abandonarmos o relacionamento interpessoal, é para não nos atirarmos ao primeiro frescor da acolhida. A jornada de uma vida tem algumas propostas predefinidas, uma delas é encontrar um alguém com objetivos semelhantes, com o mesmo propósito, para que possam juntos compartilhar e alcançar esse objetivo. Não precisa ser, necessariamente, uma namorada ou um namorado. Não precisa ser uma pessoa que você venha a ter um relacionamento conjugal. Pode ser um amigo, um colega do trabalho, um professor... Pode ser qualquer pessoa que você sinta a reciprocidade a seus sonhos, para que possam amadurecer e encontrar a plena felicidade. Alguém que doe e que exija. O que quero dizer é para não nos acomodarmos no sofá para assistirmos a novela das oito, das nove, das dez, que se seguem sempre com o mesmo enredo. Não nos prendermos a vidinhas medíocres sem objetivos, com o falso espírito de decência de assumir que tentou. E sim, para levantarmos e lutarmos por nós mesmos. Por puro egoísmo. Saibamos que não devemos infringir o próximo para atingir a meta estabelecida. Pois, não há tentativas e acertos. Só há a escolha da estratégia para a tentativa certa.


Eu não sou comum
Eu não sou igual
Posso não ser original
Sei que sou incompleto
Mas vivo com a convicção de ser único
De buscar o meu ideal
De ser um ideal, busco
Ser completo

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Escrevo, logo existo!


Escrivaninha abandonada há dias, teias amontoam-se nos cantos dos pés. Folha de papel envelhecida com um rabisco de versos a uma mulher, a pena em cima já parara de pingar a tinta. Tinteiro aberto e quase seco. Seco, assim, como as suas idéias, pensamentos, reflexões. Semanas sem nada produzir, semanas deitado naquela cama se penitenciando, murmurando. Cheio de porquês, indagações tão profundas que o faziam se distanciar do corriqueiro, do comum, até, mesmo, do que gostava de fazer. Três dias sem comer, vivendo apenas das lembranças, ilusões. Mas no que ele pensava? Talvez em tudo ou talvez em nada. Só se tinha a certeza que estava deitado, de barriga para cima, ora fitava o teto, ora fechava os olhos, em um balé cronológico quase perfeito. Seus murmúrios eram quase inaudíveis, se não fosse pela nitidez de um único nome: “Laura, Laura, Laura...” É isso, ele só pensa nela. O que teria feito Laura a esse homem? Rapaz que era cheio de vida, produtivo, audacioso, aventureiro, que adorava escrever e levar os seus escritos a público e que, hoje, morre lentamente naquela cama. Simplesmente o olhou e sorriu de canto de boca. Será que ele se entregou as suas graças? Sim, rendeu-se a beleza, incontestável, de Laura. Assim, como tantos outros antes dele, escraviza sua mente a essa personificação do demônio. Só com o olhar ela podia sugar a alma de um homem e fazer-lo marionete de seus desejos. Perigosa. Diaba, sugadora dos espíritos puros. O mal tem seus meios de sobreviver. Pobre homem, só está aguardando o barco que o levará pelo rio das trevas, um caminho sem volta. A Morte já está ao seu lado escrevendo o nome dele no caderno dos mortos. Rezo, mesmo sendo cético, para não cruzar com tal criatura em minha estrada. Não quero o mesmo destino desse homem, não quero parar de escrever.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Eu, simplesmente, quero!


Eu quero ser simples. Eu quero ter um sonho como todo mundo – ou a grande maioria - para ter no que pensar nas noites de insônia. Quero não dar tanta importância à complexidade da vida, as interrogações filosóficas, ao meu umbigo egoísta, ao meu autismo latente. Quero reviver um passado que não volta mais. Quero parar de usar esse blog para desabafar, parar de fazer a “limpeza de chaminé”. Quero ser compreendido por alguém. Mas eu ainda quero querer. Quero um amor para recordar, um amor para vivenciar, alguém a quem amar. Alguém que me ouça, que me tire desse marasmo, dessa depressão em que eu me afundo. Quero não só gostar das poesias de Vinicius, mas compreendê-las também.
Trato, muitas vezes, o amor como doença. De fato, é uma doença. Uma doença que nos consome lentamente, que nos esvai do plano terreno, que nos atormenta sem a correspondência, que nos torna vulneráveis a outrem, submissos, dependentes. Escravos obsessivos, entorpecidos por um sentimento. O amor é mais destruidor do que a raiva, mais rancoroso do que o ódio mais compulsivo do que a gula ele é o pior de todos os sentimentos, o pior de todos os pecados. Ele faz com que atinjamos o êxtase da felicidade e o fundo extremo da tristeza. Eu procuro esse amor, procuro ter essa doença. Busco nos livros, nas ruas, nas paisagens litorâneas, nas montanhas, nos olhares alheios. Eu desejo adoecer. Mas por que almejá-lo tanto? Simplesmente, por egoísmo, inveja, para, talvez e somente, compreender as poesias de Vinicius.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

A jornada de Gabriel - Prólogo

Gabriel Antônio Silva é um pobre menino da baixada. Vive em um pequeno barraco com mais cinco irmãos, uma avó doente e sua mãe que é quem sustenta aquela família. Ele sabia que não tinha um futuro promissor, apesar de ter apenas dez anos, Gabriel era um menino muito inteligente e ciente das condições que dispunha. Ele não deixava de tentar ajudar a sua mãe. Pobre Maria da Graça, abandonada com três filhos pequenos e um a espera pelo marido que fugiu ao se deparar com a complicação que teria para criar e sustentar a todos. Gabriel era o segundo filho mais velho, primeiro vinha Sheila, 16 – uma menina que caiu na vida, viciada em cola e metida com a bandidagem da área. Maria da Graça que sempre zelou pelos filhos, chorava toda noite que encontrava Sheila entorpecida no quarto, sofá ou quando ela chegava na garupa da moto de algum traficante ou bandido da baixada. Por mais problemas que Sheila arranjasse sua mãe sempre estava ali pronta para acolhê-la e ajudá-la com um abraço carinhoso e conselhos sussurrados.
Já Gabriel, era um menino que não recebia tanta atenção de sua mãe quanto Sheila e os outros três menores. Esforçado, arranjou um emprego de engraxate na barbearia do Simão pela manhã e, à tarde, varria a loja de 1,99 do Juca e a padaria do Seu João em troca de alguns trocados. Tudo que ganhava dava a sua mãe, sem nunca receber um agradecimento em troca. Ele sabia que era humilhante para a sua mãe pegar aquele dinheiro. Ele sabia que ela queria vê-lo estudando, se tornando alguém na vida. Ela não queria destruir os sonhos de seu filho, não queria ser a responsável pelo seu fracasso de vida, por isso ela não agradecia e só o fitava com aqueles olhos cheios de lágrimas. Gabriel a compreendia e nada falava, só sorria. Essa era a vida de Gabriel e sua família, trabalhar para sobreviver sem almejar algo, apenas viver.

E assim, inicia-se a tortuosa vida de Gabriel Antônio Silva, um menino que largou sonhos para ajudar a família a sobreviver nesse mundo errante como tantos outros Gabrieis que existem por ai.

Notas do autor:

- Toda semana, se possível,
postarei uma estória de "A jornada de Gabriel";

- Esse prólogo ficou meio tosco,
mas as estórias que se seguem, garanto,
estarão bem melhores;


O brilho do outro lado da cama

O Sol apareceu em minha janela. Entrou sorrateiro, como se não quisesse ser visto. Espreitou-se por um fino canal de luz em uma fresta do blecaute. Fitou iluminar a cama e, somente, a cama. Procurei esse raio de sol com a mão, mas eu não alcançava. Deitado, tateei ao vento e nada. Sentei-me na cama assustado, por que não alcançara a luz tão próxima de mim? Lembrei-me, são as minhas pernas. Elas não se dobram. Estão amarradas a um destino imposto por terceiros e que nada posso fazer para desatar os nós. Por isso não alcanço a luz, só a deslumbro de longe iluminando a cama.
A claridade aumenta, mas o meu lado da cama continua escuro, sombrio, gélido. Puxo as cobertas para cima de mim, porém o frio não vem de fora. Está dentro de mim. Estou cansado de tentar desamarrar as minhas pernas. Talvez eu devesse apenas me deitar e admirar a luz perto de mim que é impossível de tocar, impossível de sentir o seu calor, de ter o seu brilho me envolvendo. Aguardo o envelhecimento dessas cordas. Talvez, assim, elas possam ceder me libertando para o encontro da luz. Aquecer-me, iluminar-me, pois o Sol sempre esteve ali, assim, para mim como para todos.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Querida Ruivinha,

Venho, por intermédio desta carta, expressar-lhe o quanto sinto a sua falta. Há um vazio dentro de mim desde a sua partida. Sei que tenho culpa, que fui eu quem a fez ir embora, mas não sabes o quanto isso me faz sofrer. Peço perdão! Tenho me punido, freqüentemente, por tê-la abandonado, por ter dado ouvidos a outrem. Outros que nada tem a ver com o nosso relacionamento, mas sabes como o veneno destas cobras peçonhentas é impregnante e epidêmico. Entra em nossa corrente sanguínea e é difícil tirar. Sei que nunca dei muita bola para isso, mesmo que me atinjam profundamente, só que elas estavam determinadas a nos separar e começaram a atacar você. Foi para te proteger que rompi nossa relação. Foi por você!
Lembro dos bons momentos em que passamos juntos. De como não nos desgrudávamos, não fazíamos nada um sem o outro. Sinto falta das cócegas que fazias em minha face, das caras e caretas que expressávamos na frente do espelho. Até dos momentos tristes em que me consolavas fielmente. Mas o que eu, realmente, gostava era de ver a expressão alheia ao nos ver pelas ruas ou em qualquer outro lugar. De como nos rejeitavam só com o olhar. Ah, tu me mostrou quem, verdadeiramente, me ama, quem queria o meu bem não importando com a minha aparência ou com quem eu andasse. Só tu desmascarasses os falsos. Trouxesse-me idéias, também, muitas das quais já coloquei nos papeis e outras tantas que guardo em minha memória. É verdade, incentivasse-me a escrever e, agora, não consigo mais parar.
Mas tenho fé que nos encontraremos novamente, pois sei que tua partida será breve. Sei que me amavas tanto quanto eu ti amava. Aliás, amo. Tu foste à única por quem eu nutri tal sentimento, a única que amei de verdade. Acordo todas as manhãs e me olho no espelho com a certeza que teu regresso está cada vez mais próximo na nitidez de minha face. Aguardo esperançoso, dia após dia, para que possamos reviver os bons momentos e mais alguns. Espero que estejas tão ansiosa quanto eu para esse nosso reencontro. E que não nos separemos nunca mais. Serei fiel a ti eternamente, minha querida barba ruivinha!

Do teu portador amado, L. M.

sábado, 2 de agosto de 2008

Virá a primavera?


O vento sopra às últimas folhas secas do outono. É inverno. Não sinto frio. Como poderia sentir se nada é quente dentro de mim? Vivo um inverno eterno. Ando de mãos dadas com a solidão, caminhando por essa longa estrada de pedras pontiagudas e cinzas. O Céu também está cinza, aliás, sempre esteve. Uma vez ou outra tenho a sorte de admirar uma nuvem branca que passa solitária dentre tantas outras cinzas, mas é muito rápido, quase instantâneo. Não há cor viva por onde eu sigo. Só há cinza, preto e, às vezes, branco. Chove muito, mas nesse frio? Não sinto a água me tocar só ouço o barulho de chuva. Não sei, realmente, se chove ou se é o som de minhas lágrimas ecoando ao tocarem no chão. Encontro-me em prantos por nenhum motivo. Eu sei que há um motivo – são vários – mas mesmo assim sigo chorando, sem ter como parar. Espero, ansiosamente, o término dessa estrada para contemplar o que me aguarda. O que me aguarda? Coisa boa não é! Um destino que é guiado por esse caminho sombrio não pode ser algo bom. Mas anseio o seu fim, talvez, por não te pego uma estrada sem tantas pedras ou mais colorida. Desejo, profundamente, chegar ao seu final. A placa de retorno ficou para trás a uns três quilômetros. Não avisto encruzilhadas em minha frente. Só vejo no horizonte a floresta de espinhos que me espera, sedenta. Espero que ao transpor-la possa encontrar o que tanto procuro. E o que eu procuro? Ora, o que todos procuram. Mas e se for um abismo que se segue? Cairei nele, pois não posso parar de andar. Não agora.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Uma noite boa e uma boa noite

Hoje é sexta-feira. Anseio por um porre daqueles que não tomo desde... Já não sei quanto tempo faz. Os remédios me impediram de prosseguir com a vida boemia que tanto gostava. Até afastei-me, por algum tempo, dos amigos. Agora, isento de parte do mal que me aflige, necessito reviver a alegria de tantas noites que eu passara com os bons amigos em bares bebendo todas e mais algumas. Ah, eram momentos únicos, sublimes. A troca de informação era tão grande que o seu entendimento se tornava difícil, talvez devido ao teor alcoólico. E tudo acabava em uma sonora gargalhada. Momentos engraçados, na sua maioria. Conversas completamente sem nexo e anexo. Histórias e estórias para preencherem páginas e páginas de livros de contos. Estaríamos no topo dos mais vendidos. Mas essas noites tinham seus momentos de quietude. Onde alguns tragavam seus cigarros profundamente, outros fixavam o olhar em algum ponto distante e uns se entre olhavam sem nada dizer. Todos pensando em alguma coisa, ou em nada. A nostalgia nos atingia. O Silencio reinava. Cada um se refugiava em seu mundo, deparava-se com seu próprio carma que surgia em sua mente como se quisesse dizer “Estou aqui, não vos esqueçais de mim!” Instantes, que se durassem, poderiam estragar toda uma noite de entretenimento nos afundando na depressão mórbida. Mas eram poucos segundos de transe, no máximo alguns minutos, pois alguém tratava de iniciar uma nova rodada de falácias, deboches e risos nos tirando da melancolia. Como se fosse uma terapia de grupo, ao menor sinal de tristeza iniciava-se, automaticamente, parágrafos de assuntos engraçados, cômicos. Ah, é disso que eu sinto falta. Do esquecimento, do falatório, das risadas e, por que não, do mal estar das muitas doses seguidas. Sairei hoje. Vou ligar para eles, quem sabe estão assim como eu, sem nada pra fazer em uma noite de sexta-feira e precisando jogar conversa fora. Está uma linda noite para reviver o passado. "Melhor eu levar um dinheiro extra para o táxi."