quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Escrevo, logo existo!


Escrivaninha abandonada há dias, teias amontoam-se nos cantos dos pés. Folha de papel envelhecida com um rabisco de versos a uma mulher, a pena em cima já parara de pingar a tinta. Tinteiro aberto e quase seco. Seco, assim, como as suas idéias, pensamentos, reflexões. Semanas sem nada produzir, semanas deitado naquela cama se penitenciando, murmurando. Cheio de porquês, indagações tão profundas que o faziam se distanciar do corriqueiro, do comum, até, mesmo, do que gostava de fazer. Três dias sem comer, vivendo apenas das lembranças, ilusões. Mas no que ele pensava? Talvez em tudo ou talvez em nada. Só se tinha a certeza que estava deitado, de barriga para cima, ora fitava o teto, ora fechava os olhos, em um balé cronológico quase perfeito. Seus murmúrios eram quase inaudíveis, se não fosse pela nitidez de um único nome: “Laura, Laura, Laura...” É isso, ele só pensa nela. O que teria feito Laura a esse homem? Rapaz que era cheio de vida, produtivo, audacioso, aventureiro, que adorava escrever e levar os seus escritos a público e que, hoje, morre lentamente naquela cama. Simplesmente o olhou e sorriu de canto de boca. Será que ele se entregou as suas graças? Sim, rendeu-se a beleza, incontestável, de Laura. Assim, como tantos outros antes dele, escraviza sua mente a essa personificação do demônio. Só com o olhar ela podia sugar a alma de um homem e fazer-lo marionete de seus desejos. Perigosa. Diaba, sugadora dos espíritos puros. O mal tem seus meios de sobreviver. Pobre homem, só está aguardando o barco que o levará pelo rio das trevas, um caminho sem volta. A Morte já está ao seu lado escrevendo o nome dele no caderno dos mortos. Rezo, mesmo sendo cético, para não cruzar com tal criatura em minha estrada. Não quero o mesmo destino desse homem, não quero parar de escrever.

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