segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Água se faz ouro

Dos lábios rachados, ásperos e secos só ouviu-se uma única palavra em meio ao sussurro ofegante antes do desmaio sobre as areias do deserto:

- A... Ag... Água.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Sem perder o brilho para O Poderoso Chefão

O ainda não consagrado autor de "O Poderoso Chefão"(The Goodfather, 1969), Mario Puzo, mostrou-se muito bem adequado a outro ambiente que não fosse o submundo da Máfia em seu primeiro romance publicado. A Guerra Suja (The Dark Arena,1955) é um romance fantástico, cheio de surpresas e impactos. O livro mostrou-se uma grande descoberta em seu início e não deixou-se decepcionar pelo final. A história foca-se no personagem de Walter Mosca um ex-combatente americano que se vê de volta a Eupora após a Segunda Guerra Mundial para avivar um romance com a alemã Hella. Em seu contexto, mostra um personagem já modificado pela guerra e altamente frio com seus semelhantes, transformando a memória do bom rapaz que era apenas em lembranças na mente de sua mãe e seu irmão.
Um livro muito rico em diversos fatores. Em detalhes e, como já visto nos romances seguintes de Mario, a completa descrição do pensamento e sentimentos dos personagens. O que, inevitavelmente, torna o leitor um cúmplice e amante dos mesmos.
O ambiente, as dificuldades e humilhação que uma guerra trás a um país derrotado são abordados de forma, as vezes, crua e descarrada, e em outras, muito minuciosa e sensível, contrastando, assim, o sentimento do vencedor com o do vencido. Outros temas, ainda, ficam transparentes nesse romance, como principalmente: a discriminação e a corrupção.
Uma linguagem de fácil entendimento e fluência. Lê-se muito rápido, a ponto de lê-lo em seguida mais uma vez.

Recomendado para aquela tarde de domingo chuvoso.

obs: A sacada da moeda de compra/troca como sendo cigarros e tabletes de chocolate foi genial. Bem típico da época e muito bem desenvolvida e explorada por Puzo.

obs.2: Ganhou de mim cinco estrelas no Skoob. Para acessar o livro: http://www.skoob.com.br/livro/sobre/6860

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Há os que aguardam o despertar do galo e aqueles os fazem despertar


“São os seus aliados os anjos desacompanhados.” Sangue nas mãos, nos olhos e no solo do Afeganistão. O mesmo terrorismo do povo “pagão” é o da TV, na propaganda de televisão. Outdoors anunciam os opressores das massas que você bebê, fuma, veste e esquece. Esquece da seca do sertão, da fome de uma legião e da própria escravidão. Escravidão da mente, do corpo, presos a ideologia narcisista da sociedade pseudo-liberalista. “Mataram o filosofo Ianomami”, quando discursaram sobre a globalização. Foi taquicardia pela overdose de informação, produtos, desgraça, pobreza e dissimulação. Ninguém viu ninguém vê. Os cegos estão todos ocupados assistindo ao BBB. No verdadeiro paredão encontra-se a dignidade, a mente e a opinião dos que podem fazer algo para mudar. Mas a dose de realidade do jornal parece não ser o suficiente, pois a novela das nove vem em seguida como um entorpecente e apaga o desejo mutável de querer melhorar. Ironicamente estou eu aqui a discursar, no principal veículo do inimigo, a máquina do dispersar. Mas, como diria Sun Tzu: o verdadeiro objetivo da guerra é a paz. E um sozinho não a faz. E é por isso que me faço aliado, nessa intemperança descomunal, dos anjos desacompanhados e esquecidos por vocês ao sopro do vento infernal.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O que os olhos não veem

O vento rompe a janela e castiga-me com a chuva violenta que trás consigo. O choque em meu peito suado me faz buscar calor na posição fetal. Encolho-me junto às pernas abraçando-as. A cabeça estremece buscando abrigo junto ao peito nu. O único ouvido que me resta inebriasse ao som ensurdecedor dos raios e trovões. Sinto-me indefeso, acuado.

A tempestade maltrata a plantação de trigo nos campos adjacentes ao celeiro. As porteiras e as cercas de madeira não são fortes o suficiente e perecem frente ao caos que se instala. Sinto não poder fazer nada para salvar aquilo que tanto tempo levei para construir.

A minha fraqueza vem à tona e trás consigo o medo da vulnerabilidade e a tremedeira compulsiva. O choro surge como um convidado inconveniente, porém confortador. As lágrimas misturam-se com a água que escorre de meus cabelos ao rosto. O queixo treme, frio e choro unem-se.

O cheiro de morte estoura as portas frágeis do celeiro, entra sorrateiro pelas minhas fossas nasais e inunda os meus pulmões. A podridão embrulha-me o estomago. Sem conter, o jorro de vômito e outras secreções espalham-se sobre meus joelhos e escorrem para a palha úmida junto aos meus pés. “Os animais que eu não consegui salvar”.

Os poucos que salvei, estão aqui comigo. Em total silêncio. Como se estivessem se escondendo da Morte que paira sobre nossas cabeças e meio as Trevas que consomem o gado e tudo o mais lá fora.

Já não sei quanto tempo se passou desde que a tempestade começou, talvez só horas ou talvez dias. Não sei. Só aguardo o seu término em silêncio com o choro contido. Para que eu possa derramar as minhas lágrimas sobre os escombros e procurar nas cinzas a semente revigorada. E recomeçar, com ela, rijo e mais forte a reconstruir o sonho despedaçado.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

O servo de um rei solitário

Mantenho-me calado. Ouço suas palavras repetitivas e incessantemente perturbadoras. Mas mantenho-me calado. Provoco-te silenciosamente com pequenas coisas, uma roupa fora do lugar, um livro sobre a estante errada, um tapete revirado ao chão... E depois segue-se o velho discurso cuspido e escarrado de sua garganta arrogante e fétida. Eu sei que o que lhe incomoda é a minha passionalidade, o meu querer fugir da realidade. Mas mal sabes que é nesse meu sonhar que vivo a minha alegria, que mantenho-me firme, rijo, a suportar-te como um monge suporta a fome em sua meditação.

Sei que tens orgulho por eu me mostrar tão sábio nas ciências, mas desprezas-me pela pouca vivência comunal aos alheios. A teoria do viver não lhe cabe sem que se tenha suado o sangue das entranhas do sofrer. Mas vivo e vivencio mais em minha pouca literatura do que se eu me entregasse a teus desejos mesquinhos e superficiais de uma vidinha medíocre e enlatada dos comerciais de telefonia.

Eu sei que dizes que me amas e queres o meu bem, mas isso tornou-se tão clichê nessa contemporaneidade do expressar que me põe a questionar se isso não passa de mais uma banalização do sentimento amor. Tanto, que de minha boca nunca chegasses a escutar aquelas três palavras que antecedem a um beijo caliente que o homem rude, de olhar penetrante e cabelos bem penteados, diz a jovem loira, de olhar doce e derretido, nos filmes de Hollywood dos anos 60.

O escárnio em minha indiferença é notório, porém justificável. A preocupação mantida com o próximo é tão cínica que ao te perguntarem se aceitarias o corte da empresa no plantel de funcionários a fim de poupar e economizar nos custos “supérfluos” sua resposta teria sido - e é - sim. Como queres que eu acredite em tua preocupação para comigo? Sou o teu próximo.

E por que eu continuo aqui, submisso ao teu falso querer-me bem? Porque eu escolhei esse papel. Não quero o revoltado, o acomodado, o conformado. Porque tu não os querias. Eu sou aquele que se faz bom samaritano a vontade alheia. O que se faz escravo aos que desejam dominar. Eu mantenho-me assim, pois assim queres que eu fique. É teu, e tão somente teu, o desejo que realizo, pois eu acabo sempre te tirando da monotonia existencial e te entregando o poder que suplicas sobre cervo arrogante, porém obediente, das fábulas que nunca chegarás a ler.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

O Pedreiro Poeta


A construção

Seis e quinze de pé.

Água gelada no rosto

Deixa o cansaço na cama posto.

Pão amanhecido com café.


Cavalo dos novos tempos,

Bicicleta feito perna

Na ladeira acelera a jornada

Rotineira quase eterna.


Amassa a massa

Areia, cimento e cal.

Farinha, ovos e água.

Amassa a massa, carrega e passa.


Entre tijolos, pilares e concreto

Suado, com fome e cansado

O ritmo por ele empregado

Torna-se melodia para o seu soneto.


Pedaço de papel de pão

Torna-se folha para um escrivão.

Os primeiros versos brotam

Da poesia metamorfoseada em seu coração


Mãos grossas e calejadas

Pelo cabo da pá e da inchada

Bailam nas entrelinhas de versos

Ressoados e, às vezes por si, sussurrados.


As rimas são fracas

Sem muita coesão,

Mas o sentimento transborda

A sua escassa literatura e pouca formação.


Põe-se a escrever no pouco tempo que lhe resta

Antes que o sono lhe pregue uma peça

E não permita terminar os versos inacabados

Da sua poesia incompleta.