quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O dia em que a bicicleta quebrou

Se essa rua, se essa rua fosse minha
Eu mandava, eu mandava asfaltar
Com pedrinhas, com pedrinhas de piche
Para a minha, para a minha bicicleta não mais quebrar"

P.P

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Os olhos

O olhar dela cruzou o olhar dele que a fixava. Parou assustada e fitou-o por alguns segundos. Os olhos de serpente, que encantam a sua presa antes de saboreá-la, eram feitos duas pedras preciosas e reluzentes cravadas na carne facial daquele bonito rapaz. Olhos maliciosos, encantadores.
Ela nem percebeu a aproximação dele, tão sutil, tão escorregadia. A boca dele se mexia em sua face, mas nada ela ouvia. Aquela luz emanada pelos olhos dele confortava os titãs no peito dela e a fazia inerte a ele, inerte ao mundo. Pois a dor a havia abandonado, os gritos do severo pai haviam se calado em sua cabeça naquele instante, toda a culpa, todo o rancor, toda a amargura de seu seio aquietavam-se. Só restava a ela a nostalgia, crescendo com os batimentos acelerados de seu coração, dos tempos de escola. O sentimento que ela aprendeu a apreciar sozinha, em seu quarto, deitada sobre a cama em meio à pilha de livros da faculdade, a saudade dos bons tempos.

Ela se quer reparou, mas os traços do rosto do rapaz já não eram mais os mesmos de outrora. Só que os olhos conservam a mesma jovialidade, a mesma presença, o mesmo poder que a roubou a calmaria do seu espírito na juventude escolar.

Aqueles olhos diziam mais a ela do que a boca dele - que se remexia e nenhum som se ouvia.
Aqueles olhos inundaram os dela de lágrimas inumeras vezes. Aqueles olhos trouxeram-na alegrias, tristezas e agora lembranças. Aqueles olhos bagunçaram com a vida dela em tempos antigos, embaralharam os caminhos traçados por ela, encruzilharam as retas. Aqueles olhos de serpente a haviam hipnotizado e a cegado para as faces alheias, para os olhos alheios.
E agora aqueles olhos estavam ali novamente em sua frente. Fixados nos dela. E nela o crescente desejo de abandonar tudo e seguir aquele brilho verde por toda a sua vida ou por toda a vida dele. Até não mais sentir absolutamente nada por si. Até não mais sentir nada por ele. Só pelos olhos dele.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O sacrifício

Sentou-se na primeira cadeira que encontrou em pé em sua cozinha. Pés juntos e cruzados, joelhos afastados apenas pelas gorduras das coxas. Ombros pesados, caídos e cotovelos apoiados sobre a mesa. Mão esquerda segurando o queixo como se temendo sua queda ao chão. Cabeça pesada. E mão direita a desenhar círculos na toalha de festas que cobria a mesa. Olhos semifechados acompanhavam os desenhos irregulares, os ouvidos latejavam o som do rock pesado, os dentes rangiam na boca inquieta e o conformismo fazia-se presente no suspiro de cansaço.

O chapéu cônico sobre a cabeça recém raspada, os copos espalhados por toda a casa, a mancha de vômito no tapete persa, as faixas de felicitações espalhadas por toda a casa denunciavam a grande festa que se tivera. A comemoração pelo feito alcançado. Três anos de dúvidas e uma única certeza alcançada: aquilo que estava prestes a fazer era atrasar a sua vida por mais cinco anos, no mínimo.

Lutara por uma vaga em medicina sem nem querê-la por completo. Era temente, sobretudo, ao seu pai. Era do agrado dele que o filho fosse doutor na vida e doutor da vida alheia. O filho, no entanto, via-se completo e feliz entre outras faculdades, nas artes que o pai tanto renegava.

Era gloriosa a carreira vista pelos seus mestres na fundação de seus conhecimentos. Tinha tato para o belo, para o transmitir, para o sentir. Era cúmplice das palavras e elas lhe saltavam fáceis de sua mente sensível e ágil. A poesia prevalecia na ausência de um afago amoroso, do abraço do pai, do amor do pai. O conto lhe era fuga para os tormentos absorvidos diariamente nas contradições exasperadas entre o seu Eu interior e a voz reverberante do pai.

Mas um dia todo o sentimento se esgotou. Acordou, certa vez, sentindo um vazio como se lhe tivessem tirando o prazer de sorrir. Sabia que ali a batalha havia acabado para um dos lados e já se cantava o nome do campeão. Sentia-se devedor por ter sido gerado em um ventre quente, confortável. Redera-se as exigências. Fez-se submisso.

Estudou aquém de suas expectativas, aquém de sua vontade. Mais de dez horas por dia. Não tinha tempo mais nem para sentir a vontade latente do largar-se sobre as nuvens dos versos, das cores, da paixão. Esvaiu-se toda a poesia.

Sobrou-lhe, somente, o sorriso de aprovação do seu pai, o abraço apertado, a primeira lágrima que o velho permitiu escorrer de seus olhos cansados em vinte anos, assim que souberam do resultado. Sobrou-lhe a lembrança de felicidade dos parentes e amigos. Sobrou-lhe o vazio.

Mas era o que o filho queria. Era aquilo que o regia, sobretudo. Revelara isso a si mesmo na pergunta do testo vocacional do Colégio Siqueira Campos: Qual o seu grande objetivo de vida? Levar, de alguma forma, alegria as outras pessoas. Mesmo, que para isso, eu tenha que sacrificar a própria felicidade.

Sacrificou-se, sem o sorriso em seu rosto estampado.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Selo, para postagens?

Ganhei a algum tempo, mas só agora tirei o espírito ruim que me prendia na cama para vir aqui publicar, um Selo de Qualidade. Sem mais delongas, pois quero voltar a dormir, aqui está o Selo:


"Com o Prêmio Dardos se reconhecem os valores que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, étnicos, literários, pessoais, etc. Que em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras. Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os blogueiros, uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web."

Agradeço a Tamara (a responsável pela honraria), ao meu pai, a minha mãe, a você (leitor), a Xuxa e ao Obama. Ah... E também, ao Costinha e ao Ari Tolêdo por me ensinarem esse humor único, apurado e espontâneo. ¬¬"

Bom, eu teria que passar a alguém esse selo. Mas como não tenho muitos amigos blogueiros - e os que tenho já ganharam o selo - guardo essa oportunidade para presentear aos futuros.

Fiquem atentos! Em breves posts espetaculares sobre qualquer coisa ou alguma coisa ou sem coisa alguma.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

A noite dos fracassados

Bebo o último gole do uísque, de procedência barata. Não ganho muito para beber um uísque de qualidade. Tateio meus bolsos procurando a carteira. Encontro-a. Deixo o valor dos muitos uísques dessa noite e duas notas a mais para o garçom, que tão bem me serviu. Levanto-me da cadeira e, meio cambaleante, pego o meu paletó posto sobre os braços da mesma. Sigo em direção a porta do bar. Tateio, novamente, meus bolsos procurando as chaves do carro. Cesso a busca ao recordar-me que viera a pé e deixara o carro na delegacia. Antes de abrir a porta ajeito a camisa para dentro da calça, mas deixo aberto o último botão, odeio a sensação sufocante das camisas de gola. Regulo a gravata para não ficar muito folgada nem muito apertada. Visto o paletó. Tiro a carteira de cigarros do bolso esquerdo do paletó e o isqueiro do direito. Acendo o cigarro com uma tragada profunda. Antes de soltar a fumaça fecho os olhos e logo surge-me àquela cena grotesca em minha mente. Abro-os rapidamente. Solto a fumaça praticamente toda absorvida. Pobre menina. Meu sussurro é engolido pelas sucessivas crises de tosses. Contendo-as, abro a porta.

Ao sair, noto que o modesto letreiro luminoso do bar Zoe’s, que antes piscava freneticamente, está apagado – já deve ser muito tarde – penso. Pego o celular no bolso para ver as horas. Sete ligações perdidas. Águines já está preocupada, provavelmente ligou para os hospitais e pronto-socorros em busca de um policial ferido ou, até mesmo, morto. Canso de lhe dizer que não saio às ruas para “caçar” os criminosos, que vivo enfurnado em um escritório minúsculo estudando e desvendando alguns casos pequenos, sem grande importância, sem repercussão. Nada em que eu arriscaria a vida, nada em que eu pudesse me vangloriar. Mas naquela tarde tive uma grande surpresa. Uma ingrata surpresa. Não é hora de pensar nisso.

Já é madrugada. Três horas e alguns minutos. Caminho em direção a um ponto de taxi a dois quarteirões do bar. Poucas pessoas nas ruas. Alguns trabalhadores no ponto de ônibus a espera da longa jornada de trabalho que os sufoca em uma vida medíocre. Uns vagabundos bebendo apoiados na parede verbalizando lorotas, discutindo governos e teorias que nem mesmo eles entendem. Prostitutas e travestis, nas duas esquinas em que sigo, insinuando-se a todo homem bem vestido e aos poucos carros que passam em uma disputa incansável para ver quem é a verdadeira rainha do ponto. Do outro lado da rua vejo os cafetões rindo e se divertindo com o bate-boca de suas operárias.

Uma delas fixou-me o olhar. Olhos lindos. Olhos azuis. Olhos de oceano. Límpidos, puros. Diria até inocentes, senão soubesse de sua profissão. E são esses olhos os perigosos. Os que fazem os homens enlouquecerem de amor, perder o juízo. Olhos que destroem famílias. Olhos amaldiçoados e que amaldiçoam. Eu me afogaria facilmente na grandeza de seu olhar terno, doce e dominador. Entregar-me-ia ao domínio de suas águas, oceano doce e calmo que com a menor alteração dos ventos sucumbiria em um imenso ciclone devastador. Voraz. Consumiria a minha alma e a de qualquer outro que a olhasse em seus olhos de sereia. Mas não é ela em si que me chama a atenção. Não é a prostitua. São os olhos. Sim, a semelhança entre seus olhos e os daquela pobre menina.

Talvez eu já esteja confundindo tudo. Perdendo a razão. Seriam as noites de insônia, ou as doses a mais de uísque barato que se seguem por essas noites. Esse caso que me atormenta me consome. Estou aos trapos, a barba por fazer a dias, olheiras que dominam minha face. Fraco. Estou definhando. Mal tenho forças para caminhar até o ponto de taxi. Mal tenho coragem para admitir que a amo. O que eu estou dizendo? Preciso dormir, ao acordar estarei bem melhor.