segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

A noite dos fracassados

Bebo o último gole do uísque, de procedência barata. Não ganho muito para beber um uísque de qualidade. Tateio meus bolsos procurando a carteira. Encontro-a. Deixo o valor dos muitos uísques dessa noite e duas notas a mais para o garçom, que tão bem me serviu. Levanto-me da cadeira e, meio cambaleante, pego o meu paletó posto sobre os braços da mesma. Sigo em direção a porta do bar. Tateio, novamente, meus bolsos procurando as chaves do carro. Cesso a busca ao recordar-me que viera a pé e deixara o carro na delegacia. Antes de abrir a porta ajeito a camisa para dentro da calça, mas deixo aberto o último botão, odeio a sensação sufocante das camisas de gola. Regulo a gravata para não ficar muito folgada nem muito apertada. Visto o paletó. Tiro a carteira de cigarros do bolso esquerdo do paletó e o isqueiro do direito. Acendo o cigarro com uma tragada profunda. Antes de soltar a fumaça fecho os olhos e logo surge-me àquela cena grotesca em minha mente. Abro-os rapidamente. Solto a fumaça praticamente toda absorvida. Pobre menina. Meu sussurro é engolido pelas sucessivas crises de tosses. Contendo-as, abro a porta.

Ao sair, noto que o modesto letreiro luminoso do bar Zoe’s, que antes piscava freneticamente, está apagado – já deve ser muito tarde – penso. Pego o celular no bolso para ver as horas. Sete ligações perdidas. Águines já está preocupada, provavelmente ligou para os hospitais e pronto-socorros em busca de um policial ferido ou, até mesmo, morto. Canso de lhe dizer que não saio às ruas para “caçar” os criminosos, que vivo enfurnado em um escritório minúsculo estudando e desvendando alguns casos pequenos, sem grande importância, sem repercussão. Nada em que eu arriscaria a vida, nada em que eu pudesse me vangloriar. Mas naquela tarde tive uma grande surpresa. Uma ingrata surpresa. Não é hora de pensar nisso.

Já é madrugada. Três horas e alguns minutos. Caminho em direção a um ponto de taxi a dois quarteirões do bar. Poucas pessoas nas ruas. Alguns trabalhadores no ponto de ônibus a espera da longa jornada de trabalho que os sufoca em uma vida medíocre. Uns vagabundos bebendo apoiados na parede verbalizando lorotas, discutindo governos e teorias que nem mesmo eles entendem. Prostitutas e travestis, nas duas esquinas em que sigo, insinuando-se a todo homem bem vestido e aos poucos carros que passam em uma disputa incansável para ver quem é a verdadeira rainha do ponto. Do outro lado da rua vejo os cafetões rindo e se divertindo com o bate-boca de suas operárias.

Uma delas fixou-me o olhar. Olhos lindos. Olhos azuis. Olhos de oceano. Límpidos, puros. Diria até inocentes, senão soubesse de sua profissão. E são esses olhos os perigosos. Os que fazem os homens enlouquecerem de amor, perder o juízo. Olhos que destroem famílias. Olhos amaldiçoados e que amaldiçoam. Eu me afogaria facilmente na grandeza de seu olhar terno, doce e dominador. Entregar-me-ia ao domínio de suas águas, oceano doce e calmo que com a menor alteração dos ventos sucumbiria em um imenso ciclone devastador. Voraz. Consumiria a minha alma e a de qualquer outro que a olhasse em seus olhos de sereia. Mas não é ela em si que me chama a atenção. Não é a prostitua. São os olhos. Sim, a semelhança entre seus olhos e os daquela pobre menina.

Talvez eu já esteja confundindo tudo. Perdendo a razão. Seriam as noites de insônia, ou as doses a mais de uísque barato que se seguem por essas noites. Esse caso que me atormenta me consome. Estou aos trapos, a barba por fazer a dias, olheiras que dominam minha face. Fraco. Estou definhando. Mal tenho forças para caminhar até o ponto de taxi. Mal tenho coragem para admitir que a amo. O que eu estou dizendo? Preciso dormir, ao acordar estarei bem melhor.