Sentou-se na primeira cadeira que encontrou em pé em sua cozinha. Pés juntos e cruzados, joelhos afastados apenas pelas gorduras das coxas. Ombros pesados, caídos e cotovelos apoiados sobre a mesa. Mão esquerda segurando o queixo como se temendo sua queda ao chão. Cabeça pesada. E mão direita a desenhar círculos na toalha de festas que cobria a mesa. Olhos semifechados acompanhavam os desenhos irregulares, os ouvidos latejavam o som do rock pesado, os dentes rangiam na boca inquieta e o conformismo fazia-se presente no suspiro de cansaço.
O chapéu cônico sobre a cabeça recém raspada, os copos espalhados por toda a casa, a mancha de vômito no tapete persa, as faixas de felicitações espalhadas por toda a casa denunciavam a grande festa que se tivera. A comemoração pelo feito alcançado. Três anos de dúvidas e uma única certeza alcançada: aquilo que estava prestes a fazer era atrasar a sua vida por mais cinco anos, no mínimo.
Lutara por uma vaga em medicina sem nem querê-la por completo. Era temente, sobretudo, ao seu pai. Era do agrado dele que o filho fosse doutor na vida e doutor da vida alheia. O filho, no entanto, via-se completo e feliz entre outras faculdades, nas artes que o pai tanto renegava.
Era gloriosa a carreira vista pelos seus mestres na fundação de seus conhecimentos. Tinha tato para o belo, para o transmitir, para o sentir. Era cúmplice das palavras e elas lhe saltavam fáceis de sua mente sensível e ágil. A poesia prevalecia na ausência de um afago amoroso, do abraço do pai, do amor do pai. O conto lhe era fuga para os tormentos absorvidos diariamente nas contradições exasperadas entre o seu Eu interior e a voz reverberante do pai.
Mas um dia todo o sentimento se esgotou. Acordou, certa vez, sentindo um vazio como se lhe tivessem tirando o prazer de sorrir. Sabia que ali a batalha havia acabado para um dos lados e já se cantava o nome do campeão. Sentia-se devedor por ter sido gerado em um ventre quente, confortável. Redera-se as exigências. Fez-se submisso.
Estudou aquém de suas expectativas, aquém de sua vontade. Mais de dez horas por dia. Não tinha tempo mais nem para sentir a vontade latente do largar-se sobre as nuvens dos versos, das cores, da paixão. Esvaiu-se toda a poesia.
Sobrou-lhe, somente, o sorriso de aprovação do seu pai, o abraço apertado, a primeira lágrima que o velho permitiu escorrer de seus olhos cansados em vinte anos, assim que souberam do resultado. Sobrou-lhe a lembrança de felicidade dos parentes e amigos. Sobrou-lhe o vazio.
Mas era o que o filho queria. Era aquilo que o regia, sobretudo. Revelara isso a si mesmo na pergunta do testo vocacional do Colégio Siqueira Campos: Qual o seu grande objetivo de vida? Levar, de alguma forma, alegria as outras pessoas. Mesmo, que para isso, eu tenha que sacrificar a própria felicidade.
Sacrificou-se, sem o sorriso em seu rosto estampado.
3 comentários:
Olá vim responder ao comentário que vc fez lá no estórias, sobre a carta que não vou mandar.
Sinto medo de expor meus sentimentos e perder a pessoa, por não saber ao certo o que ele quer.
Mas juro que vou pensar no fato de mandar, mas não agora.
Obrigada pela visita.
Leo, gostei muito deste texto, mas confesso que o tive de ler mais de duas vezes.
Fiquei com dúvidas se ele tirou medicina para fazer as vontades da família. Ou se seguiu o seu coração levando a alegria a todos, mesmo que ele próprio estivesse triste, por ter causado tristeza aos famíliares...
Desculpa a confusão, mas queria realmente entender :(
Abraço
Paula
Paula, ele tirou medicina para trazer alegria aos pais, pois eles assim desejavam. Se sentiriam alegres se o vissem doutor, ou a caminho disso. E como o desejo dele era levar alguma alegria a outros de alguma forma, ele assim sacrificou o próprio bem querer. Espero ter sido mais claro aqui no comentário do que no texto. Hoje a tarde (aqui no Brasil) publicarei mais um conto.
Abraço, Paula!
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