sexta-feira, 27 de março de 2009

Se(i,)mente

A vida já não é mais latente.

A cor emana pequena, humilde, discreta na imensidão acinzentada do cemitério dos horizontes. Resiste. Luta. Não vence o todo, mas entra em acordo com o meio. Conquista seu pequeno espaço. Convive.

Escarnece o solo rochoso, árido, seco. Põe-se sob a plenitude de um ser maior. Incomparavelmente maior de objetivo único e simples: prover constantemente feixes retilíneos invisíveis; inflamáveis na focalização de lentes côncavas.

Desafio impiedoso ao zigoto recém germinado, pelo desejo incontrolável e agonizante de respirar, suportar tal penitência. Viver o inferno todos os dias, curar-se durante a noite para repetir-se na tortura incessante na manhã seguinte.

Fruto do gozo de um ser enlouquecido, por uma vida inteira insistente, sofrida sob aquele mesmo ser luminoso, em seu leito de morte. Queria ele, o zigoto, ser o tal Ser luminoso de serviço fácil e admirado por todos. Pois a sua sobrevivência faz-se dependente não só de seu labor frenético, mas também de uma necessidade constante da apreciação alheia por si.

Egoísta, você diria? Não, apenas humano. Mas não era de uma planta que estávamos falando? É meu caro, mas a vida já não é mais semente.

segunda-feira, 23 de março de 2009

The Sound Of Silence - Simon & Garfunkel


Composição: Paul Simon

Hello darkness, my old friend,
I've come to talk with you again,
Because a vision softly creeping,
Left its seeds while I was sleeping,
And the vision that was planted in my brain
Still remains
Within the sound of silence.

In restless dreams I walked alone
Narrow streets of cobblestone,
'Neath the halo of a street lamp,
I turned my collar to the cold and damp
When my eyes were stabbed by the flash of a neon light
That split the night
And touched the sound of silence.

And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more.
People talking without speaking,
People hearing without listening,
People writing songs that voices never share
And no one dared
Disturb the sound of silence.

"Fools" said I, "You do not know
Silence like a cancer grows.
Hear my words that I might teach you,
Take my arms that I might reach you."
But my words like silent raindrops fell,
And echoed
In the wells of silence

And the people bowed and prayed
To the neon god they made.
And the sign flashed out its warning,
In the words that it was forming.
And the sign said, "The words of the prophets are written on the subway walls
And tenement halls."
And whisper'd in the sounds of silence.

Tadrução:

O Som do Silêncio

Olá escuridão, minha velha amiga
Eu vim para conversar contigo novamente
Por causa de uma visão que se aproxima suavemente
Deixou suas sementes enquanto eu estava dormindo
E a visão que foi plantada em meu cérebro
Ainda permanece
Entre o som do silêncio

Em sonhos agitados eu caminho só
Em ruas estreitas de paralelepípedos
Sob a auréola de uma lamparina de rua
Virei meu colarinho para proteger do frio e umidade
Quando meus olhos foram apunhalados pelo lampejo de uma luz de néon
Que rachou a noite
E tocou o som do silêncio

E na luz nua eu vi
Dez mil pessoas talvez mais
Pessoas conversando sem falar
Pessoas ouvindo sem escutar
Pessoas escrevendo canções
Que vozes jamais compartilharam
Ninguém ousou
Perturbar o som do silêncio

"Tolos," digo eu, "vocês não sabem
O silêncio como um câncer que cresce
Ouçam minhas palavras que eu posso lhes ensinar
Tomem meus braços que eu posso lhes estender"
Mas minhas palavras
Como silenciosas gotas de chuva caíram
E ecoaram no poço do silêncio

E as pessoas curvaram-se e rezaram
Ao Deus de néon que elas criaram
E um sinal faiscou o seu aviso
Nas palavras que estavam se formando
E o sinal disse
"As palavras dos profetas
Estão escritas nas paredes do metrô
E corredores de habitações
E sussurraram no som do silêncio"

quinta-feira, 19 de março de 2009

O maior romance de J.C.

Caro José,

A pena já não mais se encontra abandonada, residente, sobre o papiro amarelado; envelhecido. A inspiração voltou e com ela um sonho se fez na noite anterior. E nesta manhã os traços seguem-se na harmonia da voz vigorosa que dita as palavras em tom facundo. Voz de pessoa autoritária, mas calma, de caráter enriquecedor e sábio. A mão já não é mais um membro pertencente ao braço, ela tornou-se extensão dos pensamentos e das palavras reverberadas com insistência pela voz na minha mente enlouquecida de escritor fajuto. Um romance está para nascer e sem um pingo de humildade se tornará o mais lido em todo o mundo; o mais vendido; o mais discutido e mais questionado. Atravessará os anos, talvez centenas de anos, quem sabe até os milênios se a humanidade assim perdurar e perpetuará com ela. Será alento de muitos escritores e de, praticamente, toda a humanidade. Terá os seus opositores, mas isso só engrandecerá ainda mais a minha obra. Não penses que devaneio sobre isso, pelo contrário, se me encontro nesse estado de euforia é porque sabes que tenho certeza daquilo que será.

Um romance que contará com um personagem ao qual se lembraram e o tomaram como fonte de inspiração e, porque não, exemplo. Será nosso semelhante, porém superior; inigualável. Diria quase um Deus. Em que todos se espelharão e tentarão alcançá-lo em plenitude. Será magnífico. Estupendo. O romance contará, também, com um antagonista muito superior a nós, meros mortais, dotado de uma maldade sem medidas cabíveis, aliás, será a pura maldade, a essência do mal. Se tornará símbolo e referência dos atos maléficos; será adjetivo de tal substantivo. Só que não chegará aos pés do protagonista.

Revolucionarei a literatura de nossa época, meu amigo! Guarde essas palavras.

Não posso dar mais detalhes sobre a conjuntura desta obra que está por nascer, pois caso esta carta que lhe escrevo caia em mãos erradas colocará em risco toda a autenticidade desse romance. E me parece que será preciso de mais alguns anos para acabar esse livro e quem sabe de mais alguns autores a enriquecê-la, pois temo entregar as minhas faculdades mentais ao vento e sucumbir à total loucura sem nem ao menos acabar o primeiro capítulo. Que, aliás, já o intitulei de Gênesis... Nada mais sensível ao próprio nascimento desta invenção literária que está por vir. Mas não temas, pois ainda hei visitá-lo e ver a tua semente, agora germinada, em meus braços em tempos próximos. Diga a Maria que o nascimento de Emmanuel iluminou a minha mente, até então, mergulhada nas trevas.


Um grande cumprimento a você e aos teus, J.C.

domingo, 15 de março de 2009

Lamentação


Volto à infância, assisto Marcelino Pão e Vinho;

Vivo amaduressência, leio Marcelino Freire;

Agora, estudo a história de Paulo Freire;

Amanhã, ligo para meu amigo Paulo;

Que saudades que eu sinto dele;

O número discado não existe;

O cabelo já não mais insiste;

Queria mais tempo aos amigos;

Amanhã, não é mais uma incerteza;

Agora só restam uns poucos ainda vivos;

Vivo na depressão, aguardando o último dia;

Volto os olhos às lágrimas ao álbum de fotografias;

sábado, 14 de março de 2009

Delírio

Os vermes e larvas de mosca varejeira deliciam-se na carne exposta da ferida aberta, em um gozo desumano; adolescente.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Com o dedo no gatilho

O que não é recíproco é amar, isso sim é o que eu posso considerar uma verdade absoluta. Aí virá você e me dirá que não há verdade absoluta, que a unanimidade é burra e utópica, e nem ao menos notarás a essência de minhas palavras; citarás Kant, Piaget, até Nietzsche. Vá com essa sua pífia filosofia para a puta que te pariu e preste atenção no que eu digo. As palavras são falhas, eu sei, e tendem a inúmeras interpretações, mas o sentimento nelas é verdadeiro, são dotadas de inquietações e visíveis aos olhos de quem lhes cabem. Então o que eu digo é o que eu presencio ou sinto, não há uma lógica a se seguir, muito menos um método ou linha de pensamento. E o que eu vejo é que não há qualquer sentimento mutuo no amor, que morrer de amor por alguém ou nos braços sob a lágrima derramada do ser amado é apenas o final de algum conto trágico, triste, algo shakespeariano. Que manter-se nutrida a esperança de tê-lo como seu é sim um sentimento egoísta, mesquinho, unitário. E o desejo de ter-se dominado por ele também não é diferente; o amor é a semente da desgraça e da loucura.

Aos trapos, jogados nas vielas ou nos botequins, vê-se um contingente cada vez maior de afogados no acalmador da alma enfurecida, ferida. O líquido gelado que desce a garganta rouca do choro lamuriado, contido, aquece o corpo frio e mantém o coração vivo para as lamentações ao barman ou ao colega de caneco ao lado. É o líquido o único que conforta, que aquece, que mantém viva e depressiva uma vida qualquer. Não se devia proibir a venda de bebidas ou criar leis a sua restrição ou outros métodos de coagi-la e limitá-la ao homem. Pois ela não é a grande culpada. Deveria, sim, é proibir o amor ao homem ou a qualidade de amar e de ser amado. Pois é ele o maior assassino dos homens. Não me venha com dados estatísticos de poluição, má distribuição de renda, acidentes de transito, tráfico e consumo de drogas e o caralhaquatro, porque se pensares mais a fundo, com outros olhos e de outra maneira, verás que há o Amor por detrás de todos esses males. Ele é o grande mandante, o que põe a bala no resolver e engatilha para o próprio sujeito atirar em si. O verdadeiro Don Corleone.

Pode parecer sádico, mas essa cena, dos homens deploráveis entulhados em bares e calçadas, me anima; me faz sentir o sangue pulsar nos braços, no pescoço, na nuca. Faz com que o frescor do ar aspirado pela boca inunde meus pulmões e lacrimejem os meus olhos, arrepiando-me todos os pelos do corpo. Faz um leve sorriso brotar na minha face, às vezes não contenho uma leve e sutil sonoridade entre os dentes. Aquelas figuras medíocres de aspecto penoso, olhos inchados e faces barbadas, acolhem qualquer um ao seu meio sem pré-requisitos, sem apresentações, só com o olhar cabes baixo e a anuidade com a cabeça. Não me sinto só entre eles. Sou apenas mais um entre tantos. Sou apenas mais um medíocre bêbado que sofre com a arma apontada para a própria cabeça, com a certeza de que a bala encontrará a parede do outro lado do bar e uma mancha de sangue se fará sobre o balcão depois do último gole.

Mas sempre tem um para pedir uma nova rodada, tem sempre um a pedir conselhos, a puxar conversas. Tem sempre um a adiar o suicídio coletivo; a manter-nos vivos pelo respeito à dor do outro, por nos vermos nos olhos alheios, por nos sentirmos iguais e queridos entre si. Pelo conforto da companhia, eu diria até alguns momentos de alegria. E chegaria até mais longe. Diria que os amo e me sinto amado por eles, mas se eu chegasse a afirmar isso teria que, sem pensar duas vezes, puxar o gatilho.

domingo, 8 de março de 2009

Recorrente

A chuva encolerizada e ensurdecedora invade os céus da cidade. Esta noite, com certeza, passarei em claro.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Crackocaína

Já dizia Gabriel, Ô Falador:

“índio quer cachimbo, índio quer fazer fumaça.”

Às traças.

Entulhados sob os viadutos do descaso social.

Não há distinção econômica, política ou racial.

Mudou-se apenas o ingrediente essencial

Dos tempos antigos para os de agora.

Risca-se o fósforo em busca da luz vital,

Noite afora.

A neve amarelada na mão tremula é dichavada.

Torna-se pó liquido sobre a colher flamejada.

A seringa enche-se do néctar psíquico preparado.

A agulha aponta para o braço já necrosado.

Mas há ainda os que preferem comida enlatada.

E chega a Morte ou coisa parecida

E lhes propõe um mundo de ilusões em troca de suas vidas.

E a vida lhes é roubada.

Limitada.

Condenada.

E eu vejo na TV as bombas soltas no Iraque,

Eu olho da janela não a guerra contra o Crack.

No Brasil isso é de praxe.

Madame corrói a cartilagem do nariz empinado.

E o menino da favela que é o usuário, o traficante, o condenado.

E o Falcão desabafa ao repórter:

"Ah, sonhar! Nessa vida não dá pra sonhar não..."

"Amanhã não sei nem se eu vou tá aí"

Planejamento social é ilusão.

Dados e pesquisas só servem para deputado rir.

Rir da nação,

Do povo humilde (burro) que o elegeu por um sacolão.

E todos vivem nessa entorpecencia

Usuário, sociólogo, político, empresário

Cada um cuida de si

E todos vamos seguindo a permanência,

A decadência.

Em um estado vegetativo

De pura ignorância e demência.

_____________________

Para ouvir e refletir:


Falcão - MV Bill

O Bagulho é doido - MV Bill

Esquina Puta Cocaína - Tianastácia

Desperdícios - Tianastácia