quarta-feira, 24 de junho de 2009

Charminho o caralho!

Os meus pulsos ainda estão inchados. Minutos em silêncio e eu sinto a palpitação, a latência, a insistência. O quadril também está inchado e qualquer movimento que eu faça é como se facas estivessem perfurando delicadamente cada centímetro quadrado do meu corpo. As feridas nas minhas costas cicatrizaram a pouco, mas se eu contraio os músculos elas se abrem com facilidade e umedecem o dorso e a lombar com sangue - durante o dia troquei três vezes de camisa. Meu corpo todo dói. Até a minha mente estava doendo, agora está em transe sob o efeito de um remédio qualquer que estava na gaveta. Hoje estou com um pouco menos de cabelo, pelo o que eu notei ao me olhar no espelho pela manhã. E percebi também que o meu lábio inferior dobrou de tamanho - acabei até mordendo ele algumas vezes durante o dia, quando me comunicava ou comia. Por falar nisso, me pesei antes de chegar ao trabalho, resultado: três quilos a menos. Tive sorte, você sabia? Eu poderia ter morrido mesmo. Sete horas ininterruptas. Acredito que eu tenha aguentando devido a resistência que eu adquiri com a academia. Mas se eu levar uma dessa toda semana, em um mês ou menos eu estou dentro de um caixão, desnutrido, com algum osso quebrado e cheio de perfurações nas costas e no pescoço. Então, pelo meu próprio bem e de outros, só um conselho que eu te dou: Nunca mais fique tanto tempo sem dar, sua cú doce!

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Mande notícias

O teu telefone tocou. Estava lá eu angustiado. O teu telefone insistiu, e estava lá eu ainda mais angustiado. Atendera depois da quarta desesperadora chamada. O teu 'Alô?' foi doce, carinhoso. Nem se quer sabias quem telefonara, mesmo assim mantiveste a doçura no tom de voz. Aquela mania de agradar a todos; bem me quer, sempre me quer. Um gole de conhaque foi preciso para eu me acalmar. E aquele medo de avião me invadiu o peito, quando, constrangida, sua voz revelara-se assustada. Não me contive, levantei-me do sofá de couro surrado. Comecei a andar de um lado para o outro da sala, nervoso. Mais um conhaque e já se fora metade da garrafa. No bolso nada - Ah, que falta me faz um cigarro! E como é perversa nesse jeito de falar; voz de Ligeia. As sereias, porém, possuem uma arma ainda mais terrível do que seu canto: seu silêncio. E o telefone no gancho ela colocou. E todo aquela quietude, som de respiração ofegante, coração disparado ocupou a sala. Barulho de nada. Está morto? E o silêncio respondeu... E o meu grito, pela madrugada, calou o silêncio da espera e deu início as comemorações no Morro do Catete.

Morre Pedro Paulo da Silva, o Joinha, chefe do tráfico de drogas do Morro do Jaú no Hospital Maria da Glória após ser baleado em confronto com gangues rivais pelos pontos de comercialização da droga.

terça-feira, 16 de junho de 2009

For a dream


Sobre a cadeira move-se sem calma. Derramou um só lágrima. Sem dores na carne, mas a alma grita. Esperneia. Escarneia do próprio desespero. Com as mãos procura abraçar sua própria essência. Acaricia os próprios ombros em busca de consolo; compreensão. Outra vez. O telefone toca, grita histérico por atenção. Lembrete: antes de usar heroína, pôr o telefone no vibra-call; ou no silencioso. O efeito é rápido. O telefone insiste, mas agora nada mais importa. Tudo é silêncio. Os pássaros não estão mais enjaulados. O corpo vacilante escorrega para o chão. Leve. Leve como Ícaro em seu voo da morte. O gosto amarga a boca, mas sacia os tremores. o Sol já não invade mais pela janela. Não há mais paredes. Não há mais nada. Só lhe resta o cú. Até a próxima picada.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

A frase que ecoou:

"A descrença no movimento é o câncer da causa."

Leo Molleri


segunda-feira, 1 de junho de 2009

Troca equivalente

- Perdoa-me, meu filho. Encontra-te com o rebanho do nosso Senhor, que Ele o guie para a luz e o abençoe. Amém! - O padre Ezequiel, com os olhos marejados, dava a extrema unção ao corpo, já falecido, de Pedro.
- Padre?
- Sim, Salazar! Veja você mesmo...
- Não, não é possível! Mas padre...
- Não, pelo visto não.
- Como isso aconteceu se você mesmo, padre, o...
- Não me pergunte, se eu soubesse não estaria aqui duvidando da minha própria fé.
- Padre...
- Que Deus me perdoe por essa terrível blasfêmia, mas se Pedro morreu não foi por culpa do nosso Senhor. Foi minha e tão somente minha, que não tive fé o suficiente Nele.
- Mas...
- Não mereço a batina que visto. Não mereço o toque de Deus sobre os meus ombros, nem ser um mensageiro de sua palavra... Não mereço nada que venha do Todo Poderoso!
- Pare, padre! O senhor fez tudo que estava ao seu alcance. Não teríamos como saber que Pedro se entregaria ao...
- Basta, Salazar! Este é um fardo que terei que carregar pelo resto de minha vida. E que Deus me perdoe por duvidar, e que me perdoe por não salvar Pedro dessa desgraça, por não tê-lo tirado do caminho das trevas... que Ele me perdoe algum dia por não ter tido fé.
...
- Salazar?
- Sim, padre, estou aqui!
- Venha, meu filho, despeça-se do teu irmão, que agora encontrou a liberdade que tanto me suplicava... a liberdade que não pude lhe dar de outra forma se não fosse pelas mãos cadavéricas da morte.
Salazar não compreendeu essas últimas palavras sussurradas pelo padre, mas dirigiu-se e ajoelhou-se perante ao corpo de seu irmão. Com os olhos fixos na face pálida de Pedro, Salazar chorou. Pela primeira vez em 20 anos ele demonstrou algum sentimento pelo irmão mais novo. E ao desviar os olhos, vasculhando o corpo de Pedro, notou na cintura a mancha de sangue sob a camisa branca e as palavras do Padre Ezequiel agora faziam-se claras.
Não o culpou. Não o julgou. Percebeu que o padre Ezequiel era tão humano quanto ele, tão humano quanto o seu irmão Pedro. Tão incapaz quanto qualquer um sobre a terra.
Ergueu-se firme com o corpo de Pedro em seus braços e decidido, não mais cairia sob os pés de outro semelhante, não se entregaria as palavras de um ser que mal conhecia ou se quer chegou a realmente conhecer.
Salazar abandonou sua fé e, então, não mais chorou.