segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Aviso

Ausentarei-me do blog por duas semanas devido a minha preparação para a segunda fase do vestibular UDESC, que será realizado no dia 30 de novembro.

Por tanto, meu regresso às linhas e entrelinhas das fábulas está marcado para o mês de dezembro com o final do conto: O nosso jogo.

Até mais ler!

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O nosso jogo - parte l


Hoje, após cinco anos sem tocar no tabuleiro, eu arrumei as peças em seus devidos lugares e iniciei uma partida de xadrez comigo mesmo. E o que eu temia aconteceu: lembrei de você. Não só de você, mas dos momentos que passávamos juntos, do nosso amor misturado com a rivalidade, do tempo perdido nas discussões sobre quem fica com as brancas ou pretas... Tanta coisa me veio à cabeça que minha mão chegou a tremer quando fui mover o peão do rei para a casa a frente.

O xadrez era o nosso jogo, não era? Claro que sim. Como não poderia ser? Ninguém esquece a raiva e a vergonha de levar um cheque-pastor em cinco jogadas na primeira partida, não é mesmo? Ainda lembro-me dos teus olhos perplexos olhando para o tabuleiro em vão e depois me fitando com aquele olhar cerrado que só você sabia lançar. Uma mistura de ódio com desejo de vingança. Eu só sorria.

A nossa segunda partida durou alguns lances a mais. Você não caiu duas vezes na mesma armadilha, foi esperta. Mas não evitou que eu tomasse a tua Rainha com uma emboscada chinesa. Fui cruel ao usar o peão para tirá-la do jogo, eu sei, mas o desejo de rever o teu olhar encolerizado era muito forte e por isso meu cavalo tratou logo de encurralar o Rei, como na maioria das vezes.

Eu achava tudo aquilo muito divertido. Não zombava do teu esforço para me vencer, falo do prazer que eu tinha em te ver buscar cada vez mais melhorar a técnica no jogo para me superar. Por mais que eu não demonstrasse te admirava por aquilo, pela tua persistência e gana. Nunca vi você recusar uma intimação minha para uma partida, mesmo sabendo que não irias me vencer. E eu adorava quando tentavas manter o ar de superior mesmo tendo perdido inúmeras vezes. Orgulhosa.

Lembro-me, também, da nossa última partida. Você lembra, não é? Que partida! A mais marcante de todas. Final do torneiro interclasses do Siqueira Campos. Só eu, você, e o relógio. O favorito contra a surpresa do torneio. O mestre versus seu mais amado discípulo, um duelo digno dos estúdios Hollywood. Foi a disputa mais emocionante que tivemos, eu mal conseguia desgrudar os olhos das peças e do tabuleiro. Quando me permitia, de relance, eu te olhava e lhe via compenetrada e decidida a acabar com a minha arrogância naquela final.

Tu havias decorado, praticamente, todas as minhas jogadas. Era rápida, perspicaz, sabia exatamente o que estava fazendo. Havia me estudado. Reviu todas as nossas partidas anteriores, achou brechas, bloqueou as minhas armas, os meus ataques. Obrigou-me a ficar na defensiva. Defesa Francesa. Defesa Grega. Peões suicidas para protegerem as peças de maior valor. Tirou-me as figuras com as quais eu jogo melhor: os meus cavalos. Senti-me amputado sem eles, quase imóvel no tabuleiro. Fizesse-me aquilo de propósito, querias que a minha derrota fosse completa. Se continuasse naquele ritmo eu perderia em doze rodadas.

O desespero começou a tomar conta de mim, minha mão tremia a cada novo movimento, o suor em minhas têmporas era evidente, o nervosismo latejava no peito, e mesmo assim eu mantinha a minha pose de favorito.

Confesso que tive medo. Medo de cair perante os colegas e professores que nos assistiam e que me admiravam por ser um exime jogador de xadrez. Medo de fracassar naquilo que eu era o melhor, de me tornar a chacota do colégio no dia seguinte. E o principal, o que eu mais temia quando iniciávamos uma partida feroz como aquela: O medo de não rever o teu olhar. Isso mesmo, aquele que mistura a raiva e o desejo de vingança com o seu jeito doce e orgulhoso de encarar a derrota.

Mas como o bom mestre nunca ensina tudo ao seu discípulo, eu tinha uma carta escondida na manga. O pulo do gato. Algo que você nunca me viu utilizar em nenhum outro jogo, uma técnica que eu havia desenvolvido para o torneio estadual. Só a apresentaria aos meus adversários mais temidos. Mas você antecipou a surpresa que eu guardava para eles e me fez usá-la: O blefe.

Assim que você mexeu a rainha para tomar mais um peão suicida meu, dei início a minha campanha ofensiva: Sorri debochadamente e lhe fixei o olhar. Cantei as tuas próximas dez jogadas alterando apenas os dois movimentos finais – o que me daria a vantagem – para que eu pudesse contra-atacar. E lhe revelei as minhas próximas dez jogadas que finalizaria com um xeque-mate. Eu te disse que não terias escapatória, que estavas fadada, mais uma vez, a derrota. A pressão psicológica estava implantada.

Desenharas com os olhos as dez jogadas, que eu despejara a bom tom, no tabuleiro e comprovaras que, assim, perderias. Sua boca tremeu e seus olhos arregalaram-se, havias caído na armadilha. A impressão que você teve a me ver revelando as supostas jogadas é que eu previa todos os teus movimentos rodadas a frente, que eu, praticamente, lia a sua mente. E isso te assustou muito, pois, assim, seria impossível me vencer. Dei a entender que o jogo estava sobre o meu controle e que eu te transformara marionete em minhas mãos. Não percebeste que eu limitei as tuas ações somente àqueles lances e você aceitou.

Tua concentração foi abalada, começavas a errar. A primeira peça a cair foi a tua Rainha pela mesma armadilha chinesa usada em outrora. Estavas nervosa e vacilante. Eu não sabia que a minha técnica seria tão eficiente e rápida.

Xeque-mate!...

Continua!

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A frase que ecoou

A confiança é o caminho mais curto para a decpção e, porque não, para a morte."

- L.M.

sábado, 8 de novembro de 2008

À espera da primavera

Ando andarilho pelo mundo errante

Aprecio a colheita do trigo aos pés do gigante

Saturno é distante, mas aguardo o teu regresso.


“Carpe diem, meu caro amigo”,

Grita Quinto Horácio pelos campos verdejantes das terras férteis de meu vale.

Mal sabe que em meu coração não há mais florescência, essa é a última colheita, com a sua pardida.

Secasse o riacho que serpenteava o chão da vida, esterilizando a bela rosa vermelha que aqui se fazia soberana.


Mas a semente manteve-se viva

E ela é rija e latente em meu peito.


“Saia já do meu jardim”,

Foi a última coisa que eu lhe disse.


Pois, volte!

Porque a semente se faz tímida ao Sol sem você a encorajá-la.


Ando andarilho pelo mundo errante

Aprecio a aragem da terra aos pés do gigante

Saturno é distante, mas, ainda, aguardo o teu regresso com a água.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O Contrato

Tudo começou quando conheci Janiel, há três anos. O ser mais belo que Deus poderia ter esculpido no barro. Tão grande era a sua beleza que, por onde passava, Janiel atraia todos os olhares e despertava o desejo nos homens e o ódio nas mulheres de toda a aldeia. Ainda lembro o dia em que a vi pela primeira vez: entrava pelos portões da vila, vinda das terras ao norte desconhecidas e apresentara-se ao meu pai - que era o líder do nosso povo e governante da província de Casperllin. Absolutamente linda. Sua pele era branca como a neve dos vales de Retia. Os olhos mais claros e cintilantes que eu já vi, pareciam duas jóias, e tão profundos quanto o mar da Gália, pois poderia afogar-me facilmente na doçura do seu olhar. Seu cabelo cor de cevada ondulava-se e bailava harmoniosamente com o vento que em seu rosto batia. Olhamo-nos por segundos, apenas, e nos apaixonamos.

Chegou o dia em que tive que partir para os campos de batalha defender o Reino da Baviera. Antes de nos separarmos, juramos amor um ao outro e prometemos ser fiéis. Ela me disse, com os olhos marejados, que esperaria o meu retorno o tempo que fosse necessário. E eu prometi regressar vivo para os seus braços. Junto a meu pai, que liderava a tropa de cem homens, rumamos ao sul deixando as mulheres, as crianças e os velhos cuidando do vilarejo.

A guerra era pior do que eu imaginava. Se o inferno fosse um terço do que eu presenciei já seria cruel e indesejável o bastante. Vi meus irmãos caírem sob a espada dos infiéis e sanguinários sarracenos. Vi meu pai jogar-se em minha frente e morrer em meus braços por uma flecha pagã. Vi o dia em que os poucos soldados restantes da Baviera bateram em retirada das terras do sul. Foi um longo ano em terras quentes, desconhecidas e banhadas de sangue em que envelheci como se fossem dez. Mas nem todo o ódio que me consumia pela morte dos meus queridos superava o desejo de retornar à vila e viver ao lado do meu grande amor.

Após esse ano sangrento a Coroa concedeu-me o direito de regressar à minha terra e permanecer por lá duas semanas para recrutar novos combatentes e enterrar as cinzas dos bravos que morreram. Era o tempo que eu precisava para casar-me com Janiel, fugir para leste e recomeçar uma nova vida ao lado dela.

Ao adentrar os portões da vila fomos recebidos com chuva de flores silvestres e aclamados como heróis. O choro das viúvas e mães ecoava presente, também, com a notícia que seus maridos e filhos já não pertenciam mais a esse mundo. Aquela comemoração não era necessária, eles não sabem o horror que é uma guerra, não sabem o horror que é matar uma pessoa sem saber o por que, o horror de ver um irmão cair sob a espada de nobres arrogantes.

Janiel não estava dentre as moças que nos rodeavam. Resolvi procurar pela autoridade maior, quando meu pai e eu não estávamos presentes, na vila. A sacerdotisa-mor encontrava-se no templo da Mãe Terra. Adentrei com poucas maneiras e lhe fui jogando as minhas interrogações sobre o paradeiro de Janiel. Logo repreendido por ela pelos meus maus modos, obrigou-me a ajoelhar perante a imagem da Santa Mãe e agradecer por estar vivo. Depois de feito, lhe dirigi a palavra.

Ela se manteve compenetrada em meus olhos como se tentasse ver através deles. Disse-me para buscar as respostas que tanto procuro na sabedoria suprema dos imortais, só eles poderiam justificar-se pelo feito. A preocupação já era fato em meu coração e o desespero por respostas fazia-me enlouquecer. Exigi à sacerdotisa, por direito de sucessor ao meu pai, o chamado da Deusa protetora de nosso povo, a Mãe Terra. Ela hesitou. Tentou argumentar que os Deuses Celtas não deveriam ser incomodados por assuntos tão vãos. E eu insistia com a voz mais alterada.

Sem mais resistências, a sacerdotisa iniciou a invocação. Como em um piscar de olhos, a Deusa tomou o corpo dela para si e, por intermédio dela, comunicou-se comigo. Ouviu-se apenas o murmúrio de uma voz rouca e fraca proferindo a seguinte frase: “Janiel não anda mais sobre a terra”. E logo em seguida a deusa abandonara o corpo da sacerdotisa.

Janiel estava morta. As batidas do meu coração ecoavam mais alto em todo o templo. A dor em meu peito disparara as lágrimas. Perguntei à guardiã do templo a causa da morte e o que mais me assustara estava por vir com a resposta.

“A Mãe Terra exigiu-a como sacrifício pela boa colheita que tiveram no ano que se passou...” A partir de então, eu não ouvira mais nada da boca da sacerdotisa. Ela seguia com suas justificativas e argumentos e eu nada respondia. Era tudo mentira; eu sabia que todas as mulheres da vila a odiavam por ser a mais bela e sabia que, como guardião do seu povo, a mãe Terra jamais exigiria tal penitência a mim. Elas a mataram por simples inveja.

O ódio consumia-me com rapidez e ferocidade. Sai do templo encolerizado. Peguei meu cavalo e galopei rumo à floresta negra. Eu já sabia o que iria fazer. Os anciões contam uma lenda que há muito tempo um homem pactuara com Samhain, demônio das profundezas e habitante da floresta de Caspien, para salvar seu povo do rigoroso inverno e tornar-se rei do mesmo. Se for verdade tal lenda, o demônio poderia fazer reviver Janiel.

Adentrei a floresta; sem perceber já estava envolto por sua escuridão. Eu gritava incessantemente por Samhain e ele não tardou a aparecer. Envolto por uma capa preta, não se via o seu rosto. Perguntou-me o motivo da audácia de chamá-lo assim. Tomando pelo desespero, respondo-lhe com pressa e questiono a veracidade da lenda. Eu não via os seus olhos, mas sentia que ele me encarava com desejo. Ele sabia quem eu era e de repente se pronunciou com uma revelação que eu não esperava.

Meu pai havia pactuado com ele nos vales de gelo das terras ao norte. Meu pai havia morrido, mas não pela guerra, e sim pelo vencimento contratual de sua alma. O Demônio ria enquanto me fitava perplexo e conflitante. Eu compreendi meu pai. Ele fez isso por amor ao seu povo e, agora, eu faço por amor a Janiel.

Sem muito que temer e sem mais o que perder, perguntei a Samhain se ele poderia fazer reviver Janiel. Ele me disse que sim, mas o preço seria alto. Para cada alma trazida das profundezas à superfície custaria, a mim, mil almas, de homens de sangue puro, ao balseiro. E que eu só veria Janiel ao cumprir o acordo até o próximo brumário.

E hoje, após um logo ano vagando pelas vilas de toda a Baviera, derramando o sangue de inocentes sobre a lâmina de minha espada, deparo-me com o último de minha lista. A alma que trará minha amada de volta aos meus braços: você.

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Texto enviado ao blog Duelo de Escritores.

A frase que ecoou

O ser humano não é ilha, mas partilha.
Lindolf Bell