terça-feira, 30 de setembro de 2008

O Corrupto mais honesto

Opa, última semana de campanha. Chegou a hora de, realmente, trabalhar. Bolo de notas de cinqüenta no bolso direito, símbolo do meu décimo partido, só este ano, estampado no peito e um imenso cartaz na traseira da minha Hilux com minha face rechonchuda a sorrir, quase a desdenhar. Agora não há tempo para se perder, preciso dessa (re) eleição para ficar (mais) quatro anos sossegado no poder. Ô seu João, ô Seu José, cinquentinha no bolso e um votinho na fé. Dona Maria, Dona Creusa, Seu Matias, peguem aqui essas notinhas que agora são de grande valia para a reforma da pia. Espero que confirmem a minha generosidade no grande dia e que gostoso esse bolo, por favor, a senhora poderia me servir mais uma gorda fatia? Ah, o tempo me é curto para falar de propostas, se quer as tenho, mas mantenho a linha das bem contadas anedotas. Quem não gosta? Político engraçado, extrovertido, animado e bem humorado. Com o carisma em mim encarnado até policial honesto chega a ser enganado. Eu deveria mesmo é trabalhar em telenovela, sou um ótimo ator, mas não ganharia muito e meu medo seria, talvez, ter que morar em uma favela. Só de pensar já sinto até arrepios. Prefiro essa vida política sem grandes compromissos, sem muito trabalho e sem desafios. Fico, simplesmente, sentado esperando o final do mês na minha conta pingar os cheques dos amigos empresários. Digo a vocês, mas baixinho, - ao pé do ouvido - compro voto sim! Digo isso porque honesto serei até o fim. Bom, se é para ser honesto, eu só empresto, pois depois da minha (re) eleição eles me devolverão com juros e correção. A minha correção. Claro, nada que abale nossa amizade para daqui quatro anos. Quiçá me notarão metendo em seus anus. Deixemos isso para depois da confirmação, por tanto, não se esqueçam, dia 6 de outubro, vote: Zé Ladravão, o corrupto mais honesto dessa região.



Procure saber o passado político dos canditados. Escolha de forma conciente. Votar é ser cidadão e participante ativo do crescimento e desenvolvimento do país. Não desperdice o seu voto com canditados que responderam ou respondem processos perante a justiça. Esses, que já falharam uma vez, têm tendências enormes de cometer o mesmo erro e talvez erros piores. Não venda o seu voto, você estará vendendo um pedaço de sí e do Brasil. Vote para o bem de todos. Vote para o bem do Brasil.

Justiça Eleitoral

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Madrugada estafante

Noite fria de inverno na cidade de Rivierra. Caminho em direção aos becos. Só, em meio à névoa que cobre a cidade, busco algum boteco aberto às três da manhã para tomar um trago. Minha cabeça ferve. Foi mais uma noite de trabalho estafante. Noto que ainda estou com o cheiro de sangue nas mãos mesmo tendo as lavado três vezes. Jogo o sobretudo para trás e ponho as minhas mãos nos bolsos da calça, isso evitaria atrair os coiotes.

As madrugadas nos becos são bem mais movimentadas que o dia claro. A escoria de toda a cidade sai para as ruas, assim que o sol se põe, como se fossem um bando de vampiros sedentos por sangue. Extorsões, assassinatos, tráfico de entorpecentes, contrabando de bebidas e mercadorias falsificadas, exploração sexual, tudo de mais sujo e mesquinho ocorre nas vielas mal iluminadas. Eu não era diferente deles, não era melhor ou menos mau. Eu era um deles, um produto fecal de uma sociedade corrupta e hipócrita. Um vilão, como todos.

Caminhando zonzo pela calçada de pedras sempre com os olhos vasculhando cada centímetro em volta, eu poderia morrer por qualquer coisa. Até mesmo por bala perdida ou porque alguém não teria ido com a minha cara ou por simples prazer de matar que alguns tinham. E aquela noite parecia que não estava acabada para mim.

Meus ouvidos sempre alertas me guiaram a sons de alguns passos que, pelo parecer, estavam a me seguir. Abaixo-me, fingindo amarrar os cadarços do sapato. Pego minha SOG* presa em meu tornozelo. Caso tenha que matar alguém nos becos, tenho que ser o mais silencioso possível para não chamar atenção. E por isso a utilização de uma arma branca é o mais recomendado. Mas o golpe teria que ser certeiro, mortal, para que ele não conseguisse reagir.

Os passos se aproximam. O som fica mais auto. Fica acelerado. Meu coração dispara. A adrenalina entope minhas veia e artérias que já estão acostumadas com esse tipo de situação. Situação essa que me deixa excitado, eufórico, extasiado e desequilibrado a certo ponto de vista.

Agora está perto. Bem próximo. Levanto-me devagar escondendo a faca na manga direita do sobretudo. E aguardo o primeiro movimento brusco dele. Agora não tem jeito, colou em mim. Chamou-me como se chama a qualquer individuo desconhecido - com um simples “Hei cara!”. Logo, paro de andar. Preparo a faca em minha mão. De costas, ainda, para ele ouço novamente a intimação para encará-lo. Viro-me e o vejo colado a mim. Um homem negro de, aproximadamente, um metro e oitenta e cinco de altura, usando uma jaqueta de couro preto aberta, com uma camisa do Malcon X a mostra, calça jeans rasgada no joelho e um coturno bem lustrado. Seu rosto com uma expressão um tanto abatida, diria até que bêbada. Cabeça raspada e uma tatuagem tribal sobre a sua orelha esquerda. Pertencia a uma gangue. Os Negros da Rua Malcon. Moravam a duas quadras de onde estávamos. Eram donos apenas de um quarteirão em toda a cidade, mas nem por isso deixavam de ser perigosos e sanguinários.

Ele estava com as mãos no bolso da jaqueta. Meio atordoado tentou falar algo. Senti o bafo de vodka barata. Sim, ele estava realmente bêbado. Um movimento rápido e eu dilaceraria a garganta dele sem que reagisse ou gritasse de dor. Mas penso que não posso matá-lo. Seria muito arriscado, chamaria a atenção dos outros negros. Estavam por perto, somente a duas quadras. Eu seria um homem cassado. Não descansariam até me pegar, me torturar e me matar. E as ruas estavam cheias de testemunhas que me entregariam por alguns trocados. Aquela tensão estava acabando comigo.

Volto-me a ele, olho em seus olhos negros. Ele abre um sorriso e começa a tirar algo do bolso. Preparo-me para o pior. Se for uma pistola eu teria que agir primeiro, seria a minha única chance. Não, ele estava bêbado, seus movimentos estavam lentos. Daria tempo para ver o que ele tiraria do bolso.

Uma carteira de cigarros apenas. Guardo a faca sob a manga e retiro do bolso um isqueiro. Acendo-lhe o cigarro que ele colocara na boca. Ele me encara e pergunta se já não nos tínhamos conhecido alguma outra vez, em algum bar ou boate. Respondo-lhe que não e desconverso. Provavelmente ele já vira a minha cara estampada em algum cartaz de procurado marcando alguma recompensa alta por ai ou em algum noticiário. Ele insiste que me conhece, insiste nas interrogações. Digo que sou novo na cidade e viro-me para partir.

Nisso ele me chama novamente. Lembrara onde me vira. Sem pensar duas vezes viro-me em um movimento rápido e arremesso a minha SOG em sua direção. Certeiro. Seu olho esquerdo jorra sangue para todos os lados. Ouve-se um tiro, merda. Sua arma disparara no próprio pé com o choque do meu golpe. Seu corpo caíra no chão, morto. Caberia a mim, agora, sumir da cidade por uns tempos ou ficar e enfrentar a fúria dos negros...


*Faca de combate SOG Daggert II com o comprimento total de 30 cm e o comprimento da lâmina de 17 cm.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Calico - final alternativo

Calico corria pelas ruas sujas dos becos apertados e sujos da parte suja da cidade. As mãos banhadas em sangue e seu rosto salpicado pelo mesmo. Sua blusa já não era mais branca. A bolsa preta segura atravessada sobre peito. Depois que sentiu um suspiro de segurança parou em frente a uma lata de lixo. Vasculhou por algum pano velho ou mesmo papéis para limpar-se. Nada de útil encontrou. Soltou a bolsa no chão por alguns instantes. Retirou sua camisa e limpou-se com ela, mesmo. Jogou-a no lixo e a cobriu. Noite gelada na cidade e Calico sem camisa não iria agüentar muito nas ruas. Corpo magro e pequeno, não tinha muita resistência ao frio. Puxou sua carteira de cigarros e seu isqueiro. Assim conseguiria suportar aquela noite com mais facilidade. Tragando compulsivamente o cigarro e andando mais calmamente pelas ruas começou a recordar a cena que passara a poucos.

Que loucura! – pensou ele. Tudo tinha acontecido muito rápido. Como ele poderia saber que eram policiais disfarçados? Ninguém podia. Era o trabalho dos tiras, infiltrarem-se nas organizações criminosas e desmantelá-las. Foi uma chacina. Calico não conteve as lágrimas ao lembrar-se do seu primo morrendo em seus braços. Deveria ter ficado. – murmurou a si. Mas seu primo insistira para ele pegar a bolsa e fugir dali poucos segundos antes de falecer em seus braços.

Calico nunca levou jeito para o crime. Nascera para ser escritor, para viver da literatura que tanto apreciava. Inteligente e estudioso. Porém, com a morte de sua mãe, única incentivadora, e o misterioso sumiço de seu pai antes do seu nascimento, Calico ficou a mercê da vida indigna que levava. Acolhido por seus tios e primos, foi levado a um submundo cruel e mesquinho. Aos dezesseis anos matara pela primeira vez por uma misera dívida de jogo que não pagaram a seus tios.

Iniciara o negócio de drogas com seu primo mais velho o Maurício. Esse, sim, saiu do ventre de sua mãe para trazer desgosto a ela e crueldade maleficidade aos alheios. Iniciara sua vida criminosa aos onze anos fazendo pequenos serviços ao mafioso local, conhecido como Baltazar Mão-de-ferro. Assumira os negócios da sua quadra aos quinze anos. E aos dezenove, com a morte mal explicada de Baltazar, já comandava as ações criminosas de quatro quarteirões das ruas de baixo. Era, praticamente, o dono do bairro onde morava. Tinha o sangue frio, não pensava duas vezes antes de matar, se quer pensava. Deixava os assuntos financeiros e as relevâncias administrativas com Calico, que tinha freqüentado até o segundo grau e tinha paciência com os números. Era firme e cauteloso, não lhe tinham meias palavras ou falsos compromissos. Cumpria o que dizia e punia aqueles que não cumpriam suas promessas com a morte. Confiava somente em si e em Calico. Agora se encontrava em um saco preto. E a culpa era de Calico – pelo menos era assim que Calico pensava.

A transação com os falsos compradores parecia simples e lucrativa ao bando. Três quilos de cocaína e dez quilos de haxixe. Um pedido razoável para os compradores de costume. Um pedido razoável para nos persuadir e abocanhar.– refletiu Calico. Mas ele não entendia o porquê dos disparos sem aviso. Das prisões não efetuadas. Do banho de sangue sem prévia. Até chegara a conclusão de que era uma queima, a chamada renovação do comando da área. Alguém vendera as cabeças de seus primos aos policiais para tomar o ponto para si. Mas quem seria o mandante?

Agora, Calico, estava realmente sozinho. Não lhe restara mais ninguém. Era o último de sua família. Com uma bolsa atravessada sobre seu peito, sem camisa, jeans rasgado e coturno descolado, andava sem rumo pelas vielas escuras. Pensara em se matar e acabar com aquela agonia que era e fora toda a sua vida, mas se lembrara do um milhão de dólares na bolsa preta, do olhar de seu primo antes de falecer e abandonara essa idéia de imediato. Pois, Calico, não era mais aquele jovem sonhador, aquele promissor escritor que defendia seus ideais com unhas e dentes. Calico, agora, era filho do submundo e como bom filho a lição de casa deveria ser feita. Os mandantes deveriam morrer.

domingo, 21 de setembro de 2008

O eu-lírico sufocante

Sinto vontade de caminhar sob a chuva, mas sem guarda-chuva. Pés nus sobre a terra sentindo cada incômodo grão de areia e cada buraco ao pisar rijo o solo. Sem camisa. Sem calças. Completamente nu. Sentir por completo a chuva me banhar em suas águas. Lavar a alma inexistente em meu ser. Lavar a cápsula corpórea de minha alma. Caminhar de olhos fechados sem ter o que temer. Quero um lugar sem casas, sem muros, sem ruas cinza, sem postes, sem qualquer ligação com a civilização. Um lugar inóspito. Talvez só uma linha de trem abandonada onde o mato já teria nascido e subjugado sua onipotência urbana. Seria a minha referência. Algo que servisse para eu não me esquecer das terras passadas, do caminho que me levou até ali e de o porquê seguir caminhando. Deveria ter muitas árvores ao longe, que eu seguisse e nunca conseguisse alcançar. As gramíneas deveriam reinar nessas planas terras achatadas. Que cobrissem os pedregulhos sob os pés e ocultasse as criaturas almáticas. Lá choveria sem que o céu escurecesse, sem raios e sem trovões. Haveria o azul do céu, o branco das nuvens, o verde das folhas, o brilho do sol, a sombra das árvores... Nada de cinza, nada de preto. Os trilhos do trem seriam roxos. Eu estaria só, assim como Zaratustra em sua montanha. E lá buscaria e encontraria as minhas respostas assim como ele encontrou as suas.

Cesso esse meu lirismo barato e depressivo e retorno a realidade nua e crua do existencialismo humano. Vou estudar, preciso passar no vestibular, senão minha cabeça ao chão irá rolar.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Valorizar enquanto há tempo - A morte não escolhe hora

Abriu os olhos de um salto de cama. Correu ao banheiro e uma água nos olhos atirou. Olhou-se fixo por uns segundos no espelho e sorriu para si. Passou as mãos na cabeleira desarrumada e saiu de casa sem nem ao menos trocar o short azul e a regata rubra desbotada que usara para dormir. Claro, parou só na porta para calçar aquele velho tênis de corrida que tinha abandonado antes da cirurgia. E saiu rua a fora com um pouco de desconforto nos pés buscando vida.

Iniciou sua corrida meio acelerado. Um tanto eufórico. Trezentos metros adiante percebeu que aquele ritmo iria mandá-lo de volta a mesa cirúrgica. Diminuiu o passo e revolveu retomar suas corridas matinais de forma gradativa. Foi quase que andando rápido ou quase que correndo lento. Resolveu admirar a paisagem que antes nunca olhara ou que nunca reparara com tanto gosto. Como era lindo aquele lugar. Esquecera-se quão verde eram as florestas que revestiam os morros que o cercavam. Ah, e aquela brisa gostosa de fim de inverno e começo de primavera, magnífica! Sol grande e belo ao céu iluminando a terra com todo o seu esplendor. Várias nuvens brancas espalhadas e isoladas tomando forma das mais diversas criaturas imagináveis possíveis. Até o contraste entre a cidade e o campo é belo, harmonioso. E pensar que poderia ter perdido toda essa beleza sem ter lhe dado a digna atenção.

Quinze minutos de caminhada corrida ou corrida caminhada deparasse na frente da padaria do João. Lá avista alguns conhecidos e resolver ir cumprimentá-los. Quem sabe refrescar-se com uma garrafa de laranjinha Água da Serra também. Papo vai, papo vem... Começa a se sentir mal. Será que foram as três laranjinhas que tomara? Pediu para o João marca na conta, despediu-se de seus amigos e iniciou seu retorno a casa. Sente-se preocupado, pensa que é o coração novamente, pois seu peito está a arder. Sua vista começa a embaçar. Já não consegue ver. Para de andar. Sente muito frio. Sente o baque de seu corpo ao chão. Sente o último ar entrando nos pulmões. Sente falta de ar. Sente seu espírito abandonando seu corpo. Sente-se morto.

Seus amigos também pensaram que era o velho problema no coração que tinha retornado até encontrarem o escorpião encravado em seu pé direito. Justo o pé direito. O pé que sempre calçara primeiro para ter sorte ao longo do dia. Superstição, claro. Desde pequeno a tinha. Na pressa de reviver o tempo que perdera e de valorizar aquilo que não dera importância merecida, esquecera de conferir seu tênis antes de calçá-lo.


Moral da história: A Pressa é inimiga da superstição.


ps1: Dois títulos. Fiquei na dúvida e acabei colocando os dois.

ps2: Tá! Essa moral é tosca, mas achei divertida. (6)

ps3: Demorarei mais e mais tempo para publicar algo, o vestibular é a prioridade ;~~