quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

O servo de um rei solitário

Mantenho-me calado. Ouço suas palavras repetitivas e incessantemente perturbadoras. Mas mantenho-me calado. Provoco-te silenciosamente com pequenas coisas, uma roupa fora do lugar, um livro sobre a estante errada, um tapete revirado ao chão... E depois segue-se o velho discurso cuspido e escarrado de sua garganta arrogante e fétida. Eu sei que o que lhe incomoda é a minha passionalidade, o meu querer fugir da realidade. Mas mal sabes que é nesse meu sonhar que vivo a minha alegria, que mantenho-me firme, rijo, a suportar-te como um monge suporta a fome em sua meditação.

Sei que tens orgulho por eu me mostrar tão sábio nas ciências, mas desprezas-me pela pouca vivência comunal aos alheios. A teoria do viver não lhe cabe sem que se tenha suado o sangue das entranhas do sofrer. Mas vivo e vivencio mais em minha pouca literatura do que se eu me entregasse a teus desejos mesquinhos e superficiais de uma vidinha medíocre e enlatada dos comerciais de telefonia.

Eu sei que dizes que me amas e queres o meu bem, mas isso tornou-se tão clichê nessa contemporaneidade do expressar que me põe a questionar se isso não passa de mais uma banalização do sentimento amor. Tanto, que de minha boca nunca chegasses a escutar aquelas três palavras que antecedem a um beijo caliente que o homem rude, de olhar penetrante e cabelos bem penteados, diz a jovem loira, de olhar doce e derretido, nos filmes de Hollywood dos anos 60.

O escárnio em minha indiferença é notório, porém justificável. A preocupação mantida com o próximo é tão cínica que ao te perguntarem se aceitarias o corte da empresa no plantel de funcionários a fim de poupar e economizar nos custos “supérfluos” sua resposta teria sido - e é - sim. Como queres que eu acredite em tua preocupação para comigo? Sou o teu próximo.

E por que eu continuo aqui, submisso ao teu falso querer-me bem? Porque eu escolhei esse papel. Não quero o revoltado, o acomodado, o conformado. Porque tu não os querias. Eu sou aquele que se faz bom samaritano a vontade alheia. O que se faz escravo aos que desejam dominar. Eu mantenho-me assim, pois assim queres que eu fique. É teu, e tão somente teu, o desejo que realizo, pois eu acabo sempre te tirando da monotonia existencial e te entregando o poder que suplicas sobre cervo arrogante, porém obediente, das fábulas que nunca chegarás a ler.

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