domingo, 17 de agosto de 2008

Suicídio Marcado


Sentado sobre o encosto do banco da praça, pés no acento. Praticamente ninguém nas ruas e os poucos que passam são quase invisíveis por causa desta neblina. Sinto-me bem, estranhamente bem. Talvez seja porque eu o faça hoje. É essa noite está perfeita, orvalhada e penumbrosa. Digna dos mortos. E está frio, muito frio. Sempre esteve. Aperto-me na jaqueta, mas não adianta. Tiro do bolso a carteira de cigarros e um isqueiro. Acendo um cigarro e trago profundamente. A fumaça já não me arranha mais a garganta. Dizem que eu morrerei por isso, por fumar três carteiras diárias tendo apenas 19 anos. Diziam também que quando eu estivesse nos meus 25 estaria fumando de seis a sete carteiras. Que o câncer me pegaria. Mal sabem que o câncer já me pegou. Mas não foi pelo cigarro. Esse câncer é do berço, já nasceu comigo. É um câncer no meu DNA.
Acabou o cigarro. O frio não passou. Puxo do bolso interno de minha jaqueta uma pequena garrafinha. Rum, para aquecer um corpo quase desfalecido. Atiro a xepa de cigarro no chão e abro a garrafa. Tomo uns dois goles e já pego outro cigarro na carteira. Gosto de beber e fumar ao mesmo tempo, uma das poucas coisas que me acalma. Preciso ficar calmo essa noite.
Seco a garrafa de rum. É chegada a hora. Passa por mim um mendigo aos trapos. Entrego-lhe minha carteira de cigarros, mas antes retiro um e acendo. Ele me agradece e eu peço que prossiga seu rumo. Tiro do bolso de minha calça um guardanapo e um toco de lápis:

"Querida Mamãe,

Sei que não fui o filho que esperavas de mim. Sei que tens se esforçado para me ajudar, mas nada adianta mamãe. Sou um ser errante. Nasci errado e sigo uma vida errada. Sei que sou os teus problemas. Sei que te trago mais lamentos do que alegrias. Será que algum dia eu lhe trouxe alegria? Pois bem, se não, hoje lhe trarei. Irei apagar teus problemas, mamãe. Irei concertar o erro que cometeras 19 anos atrás. Mamãe, quero que não chores por mim. O que lhe peço, e é a única coisa, é que cave uma cova rasa e jogue minhas cinzas lá. Semeie e regue. Se as plantas germinarem e florescerem, eu terei servido para alguma coisa nessa vida ou nessa morte. Adubo para suas flores, não mais do que isso. Não gaste nada com cerimônias e futilidades. Pegue o dinheiro que gastavas atoa comigo e vá viver, minha mãe! Aproveite a vida que lhe tomei. Não sinta que eu não a amava. Eu lhe tenho todo o amor que eu poderia sentir. Sei que não demonstrei, mas eu te amei verdadeiramente. Não posso tardar minha mãe, enquanto ainda me há coragem.
A hora chegou! Adeus !

J.B.”

Jogo outra xepa de cigarro no chão. Coloco o guardanapo em minha carteira, junto à identidade. O cano do 38 está quente em minha cintura. Será aqui mesmo. Onde sempre achei conforto, nesta praça quase deserta, onde eu sempre fui aceito. Achar-me-ão pela manhã, sem lágrimas em meu rosto, sem alma em um corpo. Só uma poça de sangue rodeando uma cabeça estourada. Desaparecerei das poucas fotos. Livrarei o mundo do meu câncer. Libertar-me-ei desse fardo. Finalmente descansarei. O cano do 38 tornasse frio em minha boca. Queria um último cigarro agora.

Um comentário:

Sílvia Mendes disse...

Uma vez eu li que para escrever um livro é preciso, antes, ler uma biblioteca. Também me inspiro com o que leio para escrever meus textos. Com o que leio e com o que sinto. Escrevo sentindo muito e pensando pouco, na verdade.
Você tá evoluindo muito, estão saindo produções ótimas aqui. Meu incentivo não é de graça, é porque você é bom mesmo e não dá pra negar.
Não vou parar de escrever se você não parar. =Pp
Abraço!