quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Ler e Escrever

"De todo o escrito só me agrada aquilo
que uma pessoa escreveu com o seu
sangue. Escreve com sangue e
aprenderás que o sangue é espírito.
É difícil compreender sangue alheio: eu
detesto todos os ociosos que lêem. O
que conhece o leitor já nada faz pelo
leitor. Um século de leitores, e o próprio
espírito terá mau cheiro.
Ter toda a gente o direito de aprender a
ler é coisa que estropia, não só a letra
mas o pensamento.
Noutro tempo o espírito era Deus;
depois fez−se homem; agora fez−se
populaça.
O que escreve em máximas e com
sangue não quer ser lido, mas
decorado. Nas montanhas, o caminho
mais curto é o que medeia de cimo a
cimo; mas para isso é preciso ter pernas
altas. Os aforismos devem ser
cumeeiras, e aqueles a quem se fala
devem ser homens altos e robustos.
O ar leve e puro, o próximo perigo e o
espírito cheio de uma alegre malícia,
tudo isto se harmoniza bem. Eu quero
ver duendes em torno de mim porque
sou valoroso. O valor que afugenta os
fantasmas cria os seus próprios
duendes: o valor quer rir.
Eu já não sinto em uníssono convosco;
essa nuvem que eu vejo abaixo de mim,
esse negrume e carregamento de que
me rio, é exatamente a vossa nuvem
tempestuosa.
Vós olhais para o alto quando aspirais a
vos elevar. Eu, como estou alto, olho
para baixo.
Qual de vós pode estar alto e rir ao
mesmo tempo?
O que escala elevados montes ri−se de
todas as tragédias da cena e da vida.
Valorosos, despreocupados,
zombeteiros, violentos, eis como nos
quer a sabedoria. É mulher e só
lutadores podem amar.
Vós dizeis−me: "A vida é uma carga
pesada". Mas para que é esse vosso
orgulho pela manhã e essa vossa
submissão à tarde?
A vida é uma carga pesada: mas não
vos mostreis tão aflitos. Todos somos
jumentos carregados.
Que parecença temos com o cálice de
rosa que treme porque o oprime uma
gota de orvalho?
É verdade: amamos a vida não porque
estejamos costumados à vida, mas ao
amor.
Há sempre o seu quê de loucura no
amor; mas também há sempre o seu
quê de razão na loucura. E eu, que
estou bem com a vida, creio que para
saber de felicidade não há como as
borboletas e as bolhas de sabão, e o
que se lhes assemelhe entre os
homens.
Ver revolutear essas almas aladas e
loucas, encantadoras e buliçosas, é o
que arranca a Zaratustra lágrimas e
canções.
Eu só poderia crer num Deus que
soubesse dançar.
E quando vi o meu demônio,
pareceu−me sério, grave, profundo e
solene: era o espírito do pesadelo. Por
ele caem todas as coisas.
Não é com raiva, mas com riso que se
mata. Adiante! Matemos o espírito do
pesadelo!
Eu aprendi a andar; por conseguinte
corro. Eu aprendi a voar portanto não
quero que me empurrem para mudar de
lugar.
Agora sou leve, agora vôo: agora vejo
por baixo de mim mesmo, agora salta
em mim um Deus".

Assim falou Zaratustra.


Trecho do livro de Friedrich Nietzsche, Assim Falou Zaratustra

Um comentário:

Sílvia Mendes disse...

"Há sempre o seu quê de loucura no
amor; mas também há sempre o seu
quê de razão na loucura."

Essa parte eu gostei. Algumas outras também. Mas no geral eu tenho uma opinião nada favorável ao Nietzsche. Acho que ele era um filhinho de papai que falava demais, achava demais, mas sabia de menos. Outra hora te explico com mais detalhes minha aversão à ele (se quiser).

Nietzsche é muita opinião sem fundamento, e como dizia meu mestre de filosofia, Dr. Danillo Campestrini: "Opinião a gente senta encima e ela explode" ^^

Abraço!