quinta-feira, 31 de julho de 2008

Domingo chuvoso

Velhinha de cachos brancos em coque na cabeça. Um sorriso tão grande que chega a esticar sua enrugada pele. Olhos doces e ternos protegidos por óculos miúdos de centros circulares. Saia azul longa para esconder os quadris largos e manter o respeito por sua idade. Camisa branca, também larga, para deixar soltos os seus grandes seios que tanto amamentaram seus 12 filhos. E claro, usando o clássico avental branco de cozinheira com a seguinte inscrição: “Vovó Lúcia, cozinheira de mão cheia” – Só o tirava na hora de ir à igreja ou de se deitar. Foi presente meu. Cheirinho de pão de queijo no ar, o bule já apitava no fogão, o bolo de milho posto a mesa na hora em que eu cheguei. Eram assim, todas às tardes de domingos chuvosos. Lá estava eu, abrindo a porta de sua casa e vendo aquela gentil velhinha a me esperar de braços abertos. Abraço tão caloroso e aconchegante que me fazia esquecer todos os problemas, ao menos por uns instantes. Em meu ouvido sussurrou, quando a abraçava – “Vem meu filho, senta aqui que a vovó vai te servir uma fatia de bolo de milho”. E eu, que nunca gostei de bolo de milho, me sentava e apreciava com gosto o bolinho da vovó. Água quente no coador de pano para dissolver o pó de café que foi moído um pouco antes no pilão. O cheiro do café sobrepôs o do pão de queijo que acabara de tirar do forno. Pãozinho que derretia na boa, só ela sabia fazer. Encheu meu caneco do Mickey - mesmo eu tendo vinte e um anos - com café, leite e adoçava com açúcar mascavo. E lá estávamos, eu e aquela velha senhora sentados a mesa comendo, tomando e conversando. Na maior parte eram fofocas, muito pouco eu falava. Gostava mesmo era de escutá-la, suas histórias, seus sofrimentos, suas alegrias. De tudo falávamos naquela tarde. Meus problemas eram esquecidos, sentia-me querido e amado. Despreocupado. E a tarde ia passando assim tão rápido que a chuva parara e a noite chegara sem nos darmos conta. “Está tarde, é melhor eu ir” – digo a ela, com pesar na voz. Que sempre insistia para eu ficar e posar em sua casa – “Fique, meu filho. Durma aqui, amanhã cedo eu te acordo e podes voltar para a tua casa”. Eu cordialmente sempre rejeitava. Dizia que tinha algumas coisas para acertar antes do trabalho no dia seguinte, para não deixá-la tão triste. Ela pouco conformada permitia-me partir. Na porta agradeço-a por tarde tão agradável e ela com um sorriso um pouco melancólico diz – “Vá com Deus, meu filho!... Que ele o acompanhe!” Respondi com um amém sussurrante. Beijei-lhe a testa e parti. Saio, assim, com uma vontade imensa de ficar. Ou, pelo menos, com o desejo de regressar o mais breve possível. Espero que chova domingo que vem.

Um comentário:

Sílvia Mendes disse...

Tu és neto da vó do piu-piu? XDD
Ótimo texto. Muito bem escrito, muito corretinho e tudo o mais. Eu moro com a minha vó, não sei direito qual essa sensação do texto. As coisas são diferentes, sabe? Mas é gostoso.