quarta-feira, 30 de julho de 2008

Caixa de recordações

Uma forte dor me arrebatou há poucos instantes e ainda estou sofrendo porque ela insiste em prolongar. Uma dor que não sentira nas surras que levei de meu pai quando pequeno. Nem quando perdi alguns parentes para acidentes e doenças. Uma dor em meu peito. No coração – "Seu coração está fraco, seu João. Evite se expor a fortes emoções." – foi à advertência que o Doutor Paulo me fez em nossa última consulta.
Peguei-me vendo umas fotos antigas, de amigos, parentes e "irmãos". Remexendo o passado. Vendo o quanto eu era feliz. Sim eu era. Não me enquadro, no momento, em nenhum status de felicidade. Eu, hoje, não sou feliz. Acho que até por isso que esta dor quase me nocauteou. Foi como um soco no estômago e uma joelhada na cabeça. Deixou-me embrulhado, tonto.
Quem sabe é porque eu estou ouvindo uma música triste do Johnny Cash, já é madrugada, está chovendo e ver essas fotos mexeu com o meu emocional. Aos 67 anos, tudo que me remete ao passado me deixa assim neste estado melancólico.
Talvez seja por eu estar passando por uma fase um tanto solitária em minha vida. Após a morte de Clara, nunca mais sorri sinceramente. Eu nunca a amei como fui amado. Ela nunca foi o meu verdadeiro amor, mas foi uma excelente companheira nesses anos que passamos juntos. Ela sabia que eu não a amava profundamente e mesmo assim insistiu comigo.
Sem amores verdadeiros, mas mulheres para saciar meu desejo carnal não me faltavam até, o cartão estourar. Sem amigos, conhecidos para tomar uma cerveja sempre existiram e se você pagasse apareciam tantos. Sem apoio familiar, por mais que eu tenha construído uma família com grande sacrifício, sustentando-a por muitos anos, e vivido com ela por grande parte da minha vida. Meus filhos não me visitam aqui no centro de repouso a alguns meses. Sinto-me um lixo. Sinto falta de algo. Sou infeliz.
Parece que eu não estou dando valor a nada, que eu não me importo. Mas não é verdade. É até por isso que estou a sentir tanta dor. Por me importar, por dar valor. Por querer de volta uma vida que me foi tomada, estar em um lugar onde eu era admirado, bem querido por todos – ou pela maioria. Onde eu via o meu único amor, a mulher que eu queria como mãe de meus filhos, nos braços de Carlos. Maldita covardia, tudo poderia ter sido diferente.
Mas as fotos. As fotos. 14 anos. Sinto tanta falta dos tempos de escola em que eu fazia de tudo para não estudar. Da liberdade de errar, burlar as regras. Contar anedotas sem graça. De roubar as revistas de mulher pelada do primo mais velho. Da ansiedade de descobrir o proibido. De praticar, mais tarde, o até então proibido. Vivendo um dia de cada vez, despreocupadamente.
E os amigos? Ah, os amigos! Que falta que eles me fazem. Conversas o dia todo e de nada se falava. Futebol até quando não fechava time. Truco. Massinha de creme da padaria. Salgadinho de cinquenta cents com refrigerante de laranja. Mais tarde, as paqueras. A cara de pau ao colar nas provas. Os primeiros porres de “kit” nas ruas. Mais velhos, as festas. Os verdadeiros porres. Saudade dos bons amigos. Saudades da despreocupação que existia em mim. Saudades dos tempos em que eu era, realmente, Feliz.
A dor não está passando, está piorando. Acho bom eu ligar para o doutor.
Três..., sete, cinco, do...

“…When your fickle little love gets old, no one will care for you.
You'll come back to me for a little love that's true.
I'll tell you no and you gonna ask me why, why, why?
When I remind you of all of this, you'll cry, cry, cry.

You're gonna cry, cry, cry and you'll cry alone,
When everyone's forgotten and you're left on your own.
You're gonna cry, cry, cry

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